Vários autores já apontaram o fato de que textos clássicos de Yoga mencionam apenas algumas dezenas de ásanas. Enquanto o Yoga Sutra de Patanjali se restringe a dizer que ásana é uma postura firme e agradável, o Yoga Bhasya de Vyasa ao Yoga Sutra menciona apenas 12 ásanas:
- padmásana;
- vírásana;
- bhadrásana;
- svastikásana;
- dandásana;
- sopáśrayásana;
- paryankásana;
- krauñcanishdanásana;
- hastinishadanásana;
- ushtranishadanásana;
- samasamsthánásana;
- sthirasukha ou yathásukásana.
Além de serem poucos, grande parte dos ásanas mencionados são sentados e muitos autores dizem que o único propósito do ásana é habilitar o corpo a conseguir passar um bom tempo sentado em meditação.
Atualmente, quando se fala em Yoga as pessoas pensam principalmente em posturas físicas. Alguns leigos ainda associam yoga/ásanas com Hatha Yoga. Porém, mesmos textos clássicos de Hatha Yoga como Śivasamhitá (menciona apenas 6 ásanas), Hathapradípiká (menciona apenas 15 ásanas) e Gherandasamhitá falam de poucos ásanas. A Gherandasamhitá é a que menciona a maior quantidade de ásanas, mas são apenas trinta e dois.
Se formos a alguns sites que falam de Yoga, podemos encontrar até softwares que automatizam “a criação” de ásanas e de sequências. Por exemplo, o site Yoga Journal lista uma grande quantidade de ásanas e sugestões de sequências.
O que ainda está faltando na literatura especializada é um estudo que indique se essa proliferação de ásanas é simplesmente uma influência ocidental no Yoga ou se existe alguma conexão com as fontes tradicionais, ou se existem textos tradicionais que indiquem que eram feitas práticas em que a execução de uma grande quantidade de ásanas era importante.
Neste sentido, recentemente, Jason Birch publicou um capítulo intitulado “The Proliferation of Asana-s in Late-Medieval Yoga Texts”, no livro “Yoga in Transformation”. O capítulo de Jason Birch se fundamenta na descoberta de vários manuscritos de textos medievais de yoga que contém listas de mais de oitenta e quatro ásanas. Segundo o autor, esse número é canônico e é mencionado em vários textos de yoga. O que faltava, até o momento, eram textos que descrevessem esses ásanas, pois as menções aos oitenta e quatro eram apenas listas de nomes ou apenas menção ao número.
Jason Birch argumenta que, de fato, está claro que mais de oitenta e quatro ásanas eram praticados em algumas tradições do Hatha Yoga antes dos britânicos chegarem à Índia. O mais incrível, para quem achava que ásana era apenas para sentar e meditar, é que a maioria dos ásanas descritos nos textos recentemente descobertos não eram posturas sentadas, mas posturas complexas e que demandavam muito esforço físico, algumas envolvendo movimento repetitivo, controle da respiração e uso de cordas.
Além da grande variedade de ásanas descritos, os novos manuscritos descobertos apontam para o fato de que os ásanas eram executados não apenas como alongamentos ou exercícios físicos como alguns “professores de yoga” ensinam (ou como é ensinado em algumas academias de musculação). A execução de ásanas envolvia movimento cíclico da respiração entre o abdômen e a cabeça, por exemplo. Em alguns trechos desses manuscritos os ásanas são descritos como kriyás, que combinam técnicas elaboradas de pránáyáma com ásanas complexos.
Outra característica interessante que aparece em um dos novos manuscritos é a sequência de ásanas em que o praticante deve ser capaz de realizar ásanas fundamentais antes de seguir para ásanas mais complexos.
Segundo Jason Birch, a hipótese de Sjoman de que alguns ásanas derivam de sistemas indianos de artes marciais continua válida, mas a contribuição do novo manuscrito foi situar esses ásanas no Hatha Yoga. Além disso, o novo manuscrito deixa claro que hathayogis praticavam ásanas dinâmicos, antes da influência britânica.
Por fim, Jason Birch traça algumas hipóteses sobre a influência de textos derivados desses manuscritos nos sistemas de Yoga desenvolvidos pelos alunos de Krshnamácárya (Patabhi Jois, Iyengar, Desikachar, Kaustubh, etc). Os alunos da linhagem de Krshnamácárya mencionam um texto chamado Yoga Kurunta que Jason Birch diz não ter encontrado nenhuma cópia em bibliotecas da Índia. Mas pelos relatos dos alunos da linhagem há alguma influência dos novos manuscritos nesse suposto texto chamado Yoga Kurunta.
Finalmente, a origem da míriade de ásanas do Yoga moderno está começando a ficar clara.
Muito bom. Preciso voltar aos ásanas, são bastante importantes. Embora eu nunca tenha me identificado com a parte física do Yoga devido a uma certa preguiça de executar as pocições que exigem força e uma certa falta de flexibilidade, é nítido a importancia dos ásanas.
Yoga nos tira do comodismo não só nas práticas físicas, mas na vida, principalmente!
O problema no artigo e nas pesquisas acadêmicas é chamar de asana qualquer técnica que envolva a execução de posturas. Não é assim que os hathayogis tratam os asanas.
Um kriya não é um asana. Posturas realizadas de forma dinâmica, com cordas e esforço físico também não são asanas. Sinais de que essas técnicas têm sido usadas na Índia pré-britânica não provam nada a respeito de asanas no Hatha Yoga.
O pano de fundo do artigo e das pesquisas é a idéia de que qualquer texto pré-britânico é automaticamente válido por não ter sofrido influência ocidental. Mas assim como hoje existem autores que não são yogis escrevendo sobre Yoga, havia na Índia pré-britânica autores não-iniciados escrevendo sobre a tradição. Obviamente, a boa intenção e a qualidade dos textos não são suficientes para validá-los como parte da tradição.
O artigo e as pesquisas também ignoram as técnicas de preparação para o Hatha Yoga, como os sukshma vyayama (não me refiro às técnicas inventadas por Dhirendra Brahmachari, que não era hathayogi) e os sthula vyayama e acabam por supor que tudo é asana, o que é um erro.
Apenas para situar:
1. O único texto antigo que cita 84 asanas é o Hatha Ratnavali, escrito no final do séc. XVII — antes do domínio britânico. No entanto, o Hatha Ratnavali não é reconhecido como escritura tradicional do Hatha Yoga.
2. Há indícios de que o Yoga Korunta seja na verdade um texto também do séc. XVII intitulado Hathabhyasa Paddhati, escrito por um autor chamado Kapala Kurantaka (a semelhança entre «Korunta» e «Kurantaka» provavelmente não é uma coincidência). No Hathabhyasa Paddhati há explicações do que hoje é conhecido como vinyasa. Porém, esse texto também não tem relação com a tradição do Hatha Yoga, inclusive porque Kurantaka não era hathayogi.
3. Os próprios hathayogis definem o asana como uma técnica tântrica que usa posturas em longas permanências (pelo menos 10 minutos) para liberação do fluxo de prana nas nadis, eliminação de bhuta vrittis (agitações corporais) e construção de kaya sthairyam («a estátua que respira»), que é o que garante que a meditação não seja uma prática apenas mental, mas integral. Estes objetivos e modos de execução é que garantem que uma postura seja um asana.
Espero ter esclarecido alguns pontos. Qualquer dúvida, fico à disposição.
Obrigado pelos comentários.
Algumas dúvidas:
1) Pode ser que todo ásana não seja postura, mas não há ásanas que são posturas? E o que mais ásana pode ser?
2) A partir de qual(is) referência(s) você faz essas afirmações? Caso não seja de um texto escrito, de qual professor vivo você recebeu esse conhecimento diretamente?
3) Sobre ásanas (sendo posturas ou não) pertencerem ao hathayoga também controvérsias. Eles estariam mais para tapas do que para outra coisa.
4) Sobre “o Hatha Ratnavali não é reconhecido como escritura tradicional do Hatha Yoga”, não é reconhecido por quem ou por qual texto?
5) “Hathayogis definerem ásana como prática tântrica…” Agora temos mais um ninho de vespas aqui, pois há evidências de que Hatha Yoga, pelo menos da forma como está popularizado deixou de ser tântrico há muito tempo. Pode ser que ele tenha tido suas origens no Tantra, mas perdeu muitas de suas características.