Invocação Não-Dual (Verso 4 do Shiva Manasa Puja) – Tradução e Áudio

O verso 4 do Shiva Manasa Puja pode ser cantado separadamente e é conhecido como Invocação Não-Dual. Neste post apresentamos o verso em sânscrito, transliterado e traduzido. Além disso, apresentamos também um áudio com a recitação do verso.

Texto em Sânscrito

आत्मा त्वं गिरिजा मतिः सहचराः प्राणाः शरीरं गृहं पूजा ते विषयोपभोगरचना निद्रा समाधिस्थितिः।
सञ्चारः पदयोः प्रदक्षिणविधिः स्तोत्राणि सर्वा गिरो यद्यत्कर्म करोमि तत्तदखिलं शम्भो तवाराधनम्॥४॥

Texto Transliterado

ātmā tvaṁ girijā matiḥ sahacarāḥ prāṇāḥ śarīraṁ gr̥haṁ pūjā te viṣayopabhogaracanā nidrā samādhisthitiḥ।
sañcāraḥ padayoḥ pradakṣiṇavidhiḥ stotrāṇi sarvā giro yadyatkarma karomi tattadakhilaṁ śambho tavārādhanam॥4॥

Tradução

Tu és o Eu, a intuição ,Girijā, a nascida da montanha. A minha força vital é tua companhia. O meu corpo é tua casa. Reverência a ti. A criação é o desfrute do teu reino. O meu sono é  a tua permanência em samādhi.

O movimento dos meus dois pés para a direita e para a esquerda são uma cerimônia. Toda palavra é hino de elogio a você. Qualquer que seja a ação que eu faço isso tudo é tua adoração, Oh Senhor Shiva.

Áudio do Verso Recitado

Tradução Detalhada

Primeira parte do verso

आत्मा (ātmā): masculino, nominativo, singular. Significado: eu, uma pessoa.

त्वं (tvaṁ): pronome pessoal de segunda pessoa, nominativo, singular. Significado: tu, você.

गिरिजा (girijā): tatpurusha 6. गिरि + जा . गिरि (giri): palavra feminina. Significado: montanha. जा (jā): palavra feminina, nominativo, singular, significado: nascida. Signficado: nascida da montanha. Esse é um nome para Parvati.

मतिः (matiḥ): palavra feminina, nominativo, singular. Significado: intuição, intenção, Girijā.

सहचराः (sahacarāḥ): masculino, nominativo, plural. Significado: companhias, amigos, seguidores.

प्राणाः (prāṇāḥ): masculino, nominativo, plural. Significado: força vital,prāṇāḥ.

शरीरं (śarīraṁ): neutro, nominativo, singular. Significado: corpo.

गृहं (gr̥haṁ): neutro, nominativo, singular. Significado: casa.

पूजा (pūjā): feminino, nominativo, singular. Significado: honra, reverência, respeito, adoração.

ते (te): pronome pessoal de segunda pessoa, dativo, singular. Significado: a ti, a você.

विषय (viṣaya): masculino. Significado: domínio, reino, território.

उपभोग (upabhoga): masculino. Significado: consumo, desfrute.

रचना (racanā): feminino, nominativo, singular. Significado: criação, produção, ordem.

निद्रा (nidrā): feminino, nominativo, singular. Significado: sono.

समाधि (samādhi): masculino. Significado: união, estado não usual de consciência, samādhi.

स्थितिः (sthitiḥ): feminino, nominativo, singular. Significado: permanência.

Tu [és o] Eu, [a] intuição nascida da montanha. [A minha] força vital [é tua] companhia. [O meu] corpo [é tua] casa. Reverência a ti. [A] criação [é o] desfrute [do teu] reino. [O meu] sono [é  a tua] permanência [em] samādhi.

Segunda parte do verso

सञ्चारः (sañcāraḥ): masculino, nominativo, singular. Significado: movimento.

पदयोः (padayoḥ): masculino, genitivo, dual. Significado: dos dois pés.

प्रदक्षिण (pradakṣiṇa): masculino. Significado: mover para  a direita.

विधिः (vidhiḥ): masculino, nominativo, singular. Significado: cerimônia.

स्तोत्राणि (stotrāṇi): neutro, nominativo, plural. Significado: hino de elogio.

सर्वा (sarvā): indeclinável. Significado: completamente, toda.

गिरो (giro) => गिर: . masculino, nominativo, singular. Significado: palavra.

यद्यत्  (yadyat): indeclinável. Significado: qualquer que seja.

कर्म (karma): neutro, nominativo, singular. Significado: ação.

करोमि (karomi): primeira pessoa do singular do presente, verbo, classe 8, √kṛ . Significado: eu faço.

तत्दत् (tatdat): pronome demonstrativo neutro no nominativo, repetido para enfatizar. Significado: isso.

अखिलम् (akhilaṁ): neutro, nominativo, singular. Significado: tudo, inteiro.

शम्भो (śambho): masculino, vocativo, singular. Significado: Oh Senhor Shiva.

तव (tava): pronome pessoal de segunda pessoa, genitivo, singular. Significado: teu.

आराधनम् (ārādhanam): neutro, nominativo, singular. Significado: adoração.

[O] movimento dos [meus] dois pés para a direita [e para a esquerda são uma] cerimônia. Toda palavra [é] hino de elogio [a você]. Qualquer que seja [a] ação [que eu] faço isso tudo [é] tua adoração, Oh Senhor Shiva.

21 de Junho – Dia Internacional do Yoga

A data do solstício de inverno/verão foi escolhida para comemorar o dia internacional do Yoga.

Se fôssemos procurar um significado para Yoga no dicionário, provavelmente, a palavra com maior probabilidade de ser escolhida seria união. No entanto, o Yoga não pode ser definido com uma palavra devido a ampla variedade de manifestações do Yoga no mundo. Com certeza, a maioria das pessoas definem os fenômenos e objetos de acordo com o que vem ou experienciam com seus órgãos dos sentidos. Assim, provavelmente, se falarmos de Yoga para alguém, essa pessoa trará à sua mente os ásanas ou posturas físicas do Yoga como sendo uma representação válida do que é Yoga.

Podemos dizer que o Yoga é um fenômeno espiritual presente em formas variadas na maior parte das religiões do mundo. Porém, foi no seio da tradição indiana que o Yoga atingiu o auge de seu esplendor. O Yoga é uma atividade prática, isso não podemos negar. Mesmo que tal prática seja feita apenas com a mente, no caso da meditação, ou com a fala, no caso de mantras e cânticos.

O Yoga pode ser entendido como uma abordagem prática que leva o praticante a conhecer a si mesmo, a se conectar com a realidade à sua volta e com a natureza. Pensando nesse aspecto de conexão com a natureza, o dia internacional do Yoga foi criado. Pois ele é comemorado no dia do solstício de inverno no hemisfério sul (ou de verão no hemisfério norte). Outro fator que explica a conexão do Yoga com os fenômenos naturais é a cultura de onde ele provém. Na Índia, se observa o calendário lunar. Muitas datas importantes são comemoradas de acordo com as fases da lua e com a posição dos astros.

Esse esforço de se sintonizar com os fenômenos da natureza pode nos ajudar em nosso processo de expansão e de conexão com as forças da natureza. Aqui, vemos que o Yoga não é capaz de nos levar apenas “para dentro”, mas “para fora” também. Mas esse “para fora” é saudável, não é um para fora sintético como a tecnologia tem feito com nossa atenção.

Hoje, há uma guerra sendo travada pelos meios de comunicação para conquistar nossa atenção. Isso faz com que o nosso fluxo mental esteja o tempo todo sintonizado com a tela que está à nossa frente. Isso nos impede de prestar atenção em nossas necessidades internas, nos impede de pensar sobre problemas que precisamos resolver e impede, até mesmo, de irmos ao banheiro e tomar água com mais frequência. Ou o contrário, a tecnologia pode nos lançar num ciclo de ansiedade enorme devido à grande quantidade de informação que “devemos” consumir e que nunca dá tempo, pois sempre há mais seriados e canais online para ver do que o tempo que temos disponível.

Atualmente, o Yoga pode ser a válvula de escape que precisamos para nos observarmos, para ouvirmos as necessidades do nosso corpo e de nossa mente, para entrar em contato com a natureza em práticas que ocorrem em parques. O Yoga pode ser a desculpa que você estava precisando para desligar o celular (por que, afinal de contas, ele poderia tocar durante a meditação).

Diante do exposto, podemos perceber que união é uma palavra muito simples para representar o Yoga. Pois, dependendo do contexto, o Yoga pode representar até desunião. Desunião da sua atenção com a tela do computador, por exemplo. Yoga pode representar a capacidade de realizar uma tarefa habilidosamente e com dedicação. Portanto, você não precisa praticar “Yoga” para praticar Yoga.

Sentar em Silêncio como um Ato de Rebeldia (não conformidade)

Num mundo em que todos correm contra o relógio para terem alto desempenho, sentar em silêncio é um ato de rebeldia.

Vamos começar observando dois fatores importantes que ocorreram para o ser humano ao longo da história: i) a quantidade de horas anuais de trabalho tem diminuido de 1950 até os dias de hoje; ii) a produtividade laboral aumentou de 1950 até os dias de hoje. Isso pode ser visualizado nos gráficos das Figuras 1 e 2.

Figura 1. Horas de trabalhos anuais por trabalhador (fonte: https://ourworldindata.org)

Observando o gráfico da Figura 1, percebemos que ao longo dos últimos 70 anos a quantidade de horas anuais de trabalho por trabalhador vem diminuindo gradativamente. Para o caso do Brasil, se considerarmos hoje aproximadamente um total de 1750 horas por ano de trabalho e em 1950 um total de 2000 horas de trabalho por ano, podemos dizer que o trabalhador brasileiro, em média, trabalha cerca de 87,5% em horas por ano do que trabalhava em 1950. Parece estranho, mas a sensação que alguns de nós temos é a de que nunca trabalhamos tanto quanto atualmente. Essa sensação de sobrecarga pode vir dois fatores: i) não sabemos como era a rotina de trabalho das pessoas em 1950; ii) a produtividade do trabalho aumentou. Vamos focar nossa atenção no fator ii). Se a produtividade do trabalho aumentou, conforme mostra o gráfico da Figura 2, quer dizer que temos tempo sobrando para fazer outras coisas.

Figura 2. Produtividade laboral. (fonte: https://ourworldindata.org)

Como pode ser visto no gráfico da Figura 2, a produtividade laboral teve um crescimento enorme, não tão grande em outros mas ainda expressivo, em alguns países nos últimos. Esse crescimento está associado a várias coisas e uma delas é o desenvolvimento tecnológico. Por enquanto, vamos pensar um pouco em como esse aumento de produtividade tem afetado a sociedade. Uma pessoa ser produtiva quer dizer que ela consegue “fazer as coisas mais rapidamente”. Daí sobraria tempo para se divertir ou estar com a família. No entanto, não raro, algumas pessoas arranjam outro trabalho ou outra ocupação para preencher o tempo livre. Assim, ela se torna ainda mais produtiva do que seus colegas que têm apenas um trabalho.

É aí que há um possível perigo. Segundo o filósofo Alemão, nascido na Coréia do Sul, Byung-chul Han, em seu livro A Sociedade do Cansaço, Editora Vozes, 2019, página 23, “A sociedade do Século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho”. Ele se refere à sociedade disciplinar, como aquela sociedade que foi exposta por Focault em que instituições como Escola, Igreja e Governo exerciam coerção disciplinar em seus membros. Hoje haveria uma suposta liberdade dessa coerção disciplinar, pois a coerção, segundo Han, agora é neuronal.

Você está sempre ansioso por que não terminou algum projeto no prazo, por que não levou seu filho no colégio exatamente no horário que havia planejado, por que não passou 1 hora por dia na academia todos os dias da semana. Como se isso não bastasse, a grande facilidade de acesso à informação e a meios de entretenimento multimídia têm competido também pelo controle da nossa capacidade de desempenho. Pois, sempre há um número maior de séries na Netflix do que você é capaz de assistir em maratonas de fim de semana.

Podemos dizer que a sociedade passou por pelo menos três eras em termos de medida de valor e riqueza: a era em que quem tinha recursos materiais era chamado de rico (terra, gado, etc); a era que ainda estamos vivendo, em que quem tem poder de processamento e manipulação da informação é rico; e a era em que quem domina a atenção das pessoas sobre a informação é que é rico. Sobre as duas últimas eras mencionadas, basta olharmos para o ranking das empresas mais ricas do mundo e veremos que no top 10 estão empresas de tecnologia da informação tais como: Google, Apple, Facebook e Microsoft. Todas essas empresas têm pelo menos um aspecto em comum: exploram ferramentas para capturar a sua atenção. Por que hoje o valor de um software é medido de acordo com quanto tempo ele é capaz de manter a sua atenção nele. Como no mundo capitalista os fins justificam os meios, tais empresas têm explorado o conhecimento de como os mecanismos de vícios em drogas funcionam para criar softwares que provocam vícios semelhantes ao vício em drogas. E lá se vai nossa saúde mental e paz de espírito.

É incrível como o vírus do alto desempenho está impregnado na sociedade contemporânea. Alguém poderia achar que a meditação e o Yoga seriam um uma ilha paradisíaca que poderíamos visitar para não naufragar nesse mar de lágrimas do alto desempenho. Mas como o grande escritor Eduardo Pinheiro (Padma Dorje) já deixou claro seu texto o Zen Canalha de Steve Jobs , mesmo a meditação está sendo usada com o objetivo de alto desempenho e por isso essas abordagens que usam meditação para aumentar a produtividade dos funcionários está sendo chamada pejorativamente de McMindfulness.

Então, o que nos resta é meditar pelo simples prazer de sentar em silêncio. Sabendo que num mundo em que todo mundo está correndo contra o relógio, sentar em silêncio é um ato de rebeldia.