Yoga, Engajamento Social e Política

Por mais ilusório que você pense que o mundo é, para aqueles que estão sofrendo o sofrimento é “real”.

Como tenho notado muito barulho em torno do tema desse texto, resolvi escrever um pouco sobre o assunto. Muitas pessoas envolvidas com Yoga podem se questionar sobre até que ponto um Yogi deveria se envolver com ativismos. Não existe uma resposta final e objetiva para essa pergunta, mas vou apontar alguns aspectos que tenho observado.

Se formos considerar as tradições que se apóiam principalmente no Yoga Sutra de Patanjali, na Bhagavad Gita e em textos chamados Tantras, dificilmente será encontrada alguma menção explícita de dever em relação a engajamento em ativismos. Vejamos, por exemplo, o Yoga Sutra trata especificamente de uma forma de Yoga transcendentalista dirigida para renunciantes e cujo objetivo final é o isolamento. Isolamento, em termos espirituais isolamento da Prakrti e em termos materiais isolamento social. Então, por que alguém iria esperar alguma sugestão de envolvimento social vinda do Yoga Sutra? Seria até injusto com o texto esperar isso.

Algumas pessoas podem argumentar em torno da Bhagavad Gita para falar de uma suposta obrigação de envolvimento político. Provavelmente, essa pessoa não conhece muito bem o Mahabharata, que é o texto ao qual a Bhagavad Gita pertence. No Mahabharata é evidente que todo o confronto de Pandavas e Kauravas é motivo principalmente por questões pessoais entre os familiares. Quando os Pandavas decidem lutar não é para “salvar o mundo da corrupção Kaurava”, mas sim por questões de Dharma Pessoal.

Talvez um alento para aqueles de mentalidade ativista venha do que se conhece sobre o modo de vida das comunidades tântricas, especialmente aquelas não-dualistas. Sabe-se que as comunidades tântricas não-dualistas eram bastante radicais, em termos sociais, para seu tempo por dois aspectos principais: não haver distinção de castas e não haver distinção de gênero em termos hierárquicos. Alguns professores mencionam que, naquelas comunidades, a simples menção a algum tipo de hierarquia por casta ou gênero seria motivo para expulsão da comunidade. No entanto, o que poucos percebem é que essas regras igualitárias eram consideradas apenas dentro da comunidade espiritual, não havia nenhum esforço ou tentativa de impor essa “igualdade” na comunidade externa. Esse igualitarismo na comunidade espiritual decorria do entendimento não-dualista de que todos somos a mesma consciência.

Algumas pessoas ainda tentam trazer a imagem das divindades femininas como símbolos de feminismo. Essa uma tentativa perigosa, sobre a qual sugiro a leitura deste texto. No texto do link, a autora levanta mais questionamentos antes de responder se as deusas indianas são feministas. Uma pergunta que ela faz é: Quem pergunta sobre feminismo? Por que pergunta? Com qual intenção? Sugiro que o leitor investigue um pouco sobre a influência da política nacionalista indiana na propagação dos yogásanas, por exemplo. Será que não estariam tentando fazer algo parecido com as devis? Se olharmos para o texto Devi Mahatmya, veremos que as deusas surgem a partir da energia vital (ou representam a energia vital) dos deuses. E elas veem para resolver questões “pessoais” dos devas que eles sozinhos não estavam sendo capazes de resolver. É claro que estou apresentando aqui uma versão bem literal de interpretação sem muito misticismo ou psicologização (o que tem sido muito comum recentemente).

Porém, as ideias apresentadas nos parágrafos anteriores não servem como argumento para sugerir que um Yogi não deveria se envolver com lutas sociais ou políticas. Na verdade, nesse aspecto creio que não existam deveres ou obrigações. Mas se pensarmos em termos de bom senso, faz sentido que uma pessoa que trilha o caminho espiritual há algum tempo fique indignado diante de situações injustas e queira atuar de alguma forma para a construção de um mundo melhor. O que não faz sentido é querer argumentar a favor de ativismos utilizando textos que são claramente focados em renúncia radical ou em dharma pessoal. Mas se você sabe que seu dharma pessoal é se envolver com tais questões, siga em frente.

Por mais ilusório que você pense que o mundo é, para aqueles que estão sofrendo o sofrimento é “real”.

A História de Sulabha: Discussão de Gênero no Mahabharata

A história de Sulabha ocorre no Mahabharata, ela foi uma sábia que venceu um debate contra o rei Janaka sobre o fato de que não existe diferença entre homens e mulheres segundo a filosofia indiana. Esse texto é uma tradução resumida to artigo “The Self Is Not Gendered: Sulabha’s Debate with King Janaka” de Ruth Vanita. Trechos em itálico são para indicar tradução literal.

Textos antigos são complicados de interpretar devido a vários motivos, por exemplo: problemas de tradução, não-entendimento do contexto em que foram escritos e uso mal-intencionado de trechos específicos. Por exemplo, no texto Manusmrti (conhecido por ser considerado um dos textos legais mais antigos da humanidade) podemos encontrar dois trechos aparentemente divergentes:

  • … os deuses residem onde as mulheres são honradas;
  •  … uma mulher nunca deveria ser independente, mas deveria estar sob a proteção do pai durante a infância, do marido durante a idade adulta e do filho durante a velhice.

Ruth Vanita argumenta que havia um debate em andamento sobre as mulheres nos textos indianos antigos e que a figura de uma mulher solteira como renunciante e intelectual desafia o “ditado” de que uma mulher deveria estar sempre sob a proteção de um homem. Vanita afirma também que as feministas tem dado muito mais atenção a aspectos irados das devis ou a mulheres  que sofreram nas histórias do que a histórias de devis como Saraswati (devi da fala, da aprendizagem e das artes) que aparece independente e sem consorte. Outra devi que não tem consorte é Vak, mencionada em um dos textos mais antigos, o Rigveda.

Sulabha é uma asceta kshatriya. Assim como Janaka, ela aparece em várias histórias (e.g., Saulabha Shakha do Rigveda Samhita, Kaushitaki Brahmana e Shanti Parva do Mahabharata) e representa a acadêmica feminina por excelência.

O debate mencionado aqui ocorre no Shanti Parva do Mahabharata e termina com o silêncio do Rei Janaka. Embora esse debate trate da relativa superioridade da ação e da renúncia como caminhos de libertação, ele também é um debate sobre gênero, especificamente: se uma mulher pode ser autônoma,  pode ser igual ou superior a um homem intelectualmente e pode atingir a libertação independentemente. O argumento básico usado por Sulabha é que Atman tem gênero neutro em sânscrito (nomes em sânscrito podem ter um de três gêneros: masculino, feminino ou neutro).

A história de Sulabha surge como resposta a uma pergunta de Yuddhishthira para Bhishma. A pergunta foi: é possível  obter a libertação sem abandonar a vida doméstica?

Sulabha era uma renunciante andarilha que soube da fama do rei Janaka e decidiu testá-lo. Se apresentou no palácio e depois de algumas conversas entrou em debate. Um dos argumentos do rei Janaka era de que ele era superior a Sulabha por ela ser mulher. O rei Janaka tenta demonstrar seu argumento apelando para noções convencionais sobre papéis de gêneros. Seu tom de bullying e sua atitudade masculinista para com Sulabha parecem bastante inapropriados para uma pessoa que clama ser desapegada do mundo e portanto de preconceitos sociais. O rei Janaka argumenta que por ela ser mulher, bonita e delicada seria incapaz de superar seus desejos por prazeres sexuais e sensuais.

Dentre os argumentos de Sulabha destacam-se:

  • Entender a si mesmo como diferente dos outros seres é falta de sabedoria;
  • Como a identidade está em fluxo, ela não pode ser fixada ou possuída. Esse argumento demonstra que a diferenças sexual não é uma diferença essencial;
  • Sulabha declara que seu corpo é diferente do corpo de Janaka mas não há diferença entre seu Atman e o Atman dele ou o Atman de qualquer outra pessoa;

A vitória de Sulabha no debate justifica suas próprias escolhas na vida (não casar, vagar pelo mundo sozinha, buscar libertação pelo mesmo caminho que os homens) e sua ações (entrar em debate público com um homem famoso). Quando focamos nos debates dinâmicos em relação a gênero que floresceram nos textos indianos antigos ajudamos a combater o estereótipo desses textos como monoliticamente justificando a subordinação das mulheres ou monoliticamente honrando os homens.

Propriedades do Fluxo Mental – Aflições mentais segundo o Yoga.

Breve conversa sobre as “cores” dos pensamentos, ou propriedades do fluxo mental segundo o Yoga.

Curso: Viver em Yoga

Atualmente, é comum o Yoga ser divulgado como uma prática dividida em  exercícios físicos, meditação, respiração, etc. Com essa visão, o praticante pode ser levado a pensar que o Yoga se pratica apenas quando está em seu tapetinho de ásana ou está sentado em sua almofada de meditação. Isso pode causar problemas de entendimento, levando o praticante a se tornar uma pessoa desintegrada, incapaz de associar os benefícios recebidos durante as práticas com a sua vida fora da aula de Yoga. Neste curso, serão abordados temas fundamentais para que o praticante de Yoga possa integrar sua prática à sua vida. O objetivo deste curso é trazer ensinamentos e técnicas que se praticadas adequadamente levarão o praticante a experimentar Uma Vida em Yoga.

Ementa. O problema fundamental do sofrimento humano; Tattvas e meditações associadas; Introdução aos Yoga Sutras de Patanjali; Introdução à Meditação Tântrica. Como integrar os ensinamentos do Yoga à sua vida pessoal.

Textos que serão usados como base: Yoga Sutras de Patanjali; Samkhya Karika; Tripura Rahasya; Vijnana Bhairava Tantra; Svabodha Manjari.

Modo de Funcionamento. Aulas online, uma vez por semana com duração de uma hora. As aulas ficarão gravadas por uma semana. A cada semana serão passadas atividades práticas/teóricas para os participantes realizarem e discutirem os resultados na aula seguinte. Serão disponibilizados áudios com meditações guiadas. Serão disponibilizados materiais em PDF sobre os temas abordados. Haverá 2 retiros em fins de semana a serem combinados, online ou presencial (a ser definido).

Início. Fevereiro de 2021.

Duração. 40 semanas.

Sobre o professor. Eanes Torres é praticante de Yoga/Meditação há mais de 13 anos. Fez o curso de formação de professor de Yoga com a equipe Shri Yoga Devi. É aluno do Instituto Vishva Vidya (Vedanta, Sânscrito e Mantras) desde 2015. Tem feito vários cursos e treinamentos sobre Tantra com o professor Hareesh Wallis.

As vagas são limitadas, para reservar a sua vaga você deve fazer a transferência do valor da inscrição (216 reais) até o dia 20 de janeiro de 2021. Entre em contato pelo e-mail ciencia.contemplativa.cg@gmail.com para obter mais detalhes.