Verso 6 do Pada I do Yoga Sutra de Patanjali

प्रमाणविपर्ययविकल्पनिद्रास्मृतयः॥६॥

pramāṇaviparyayavikalpanidrāsmṛtayaḥ॥6॥

Conhecimento correto, engano, dúvida, sono [e] lembrança.

Tradução Palavra por Palavra

प्रमाण (pramāṇa), neutra -> medida, escala, meio de conhecimento, conhecimento correto.

विपर्यय (viparyaya), masculino => erro, engano.

विकल्प (vikalpa), masculino => dúvida.

निद्रा (nidrā), feminino => sono.

स्मृतयः (smṛtayah) feminino, nominativo, singular => lembrança.

Comentário

Mais um exemplo de sutra sem verbo, sendo apenas uma lista de substantivos concatenados. Pelo sutra anterior, podemos entender que essas cinco palavras se referem às atividades da mente.  Assim, uma tradução alternativa seria: As atividades da mente podem ser: conhecimento correto, engano, dúvida, sono, lembrança.

Veja os outros versos neste link.

Verso 5 do Pada I do Yoga Sutra de Patanjali

वृत्तयः पञ्चतय्यः क्लिष्टा अक्लिष्टाः॥५॥

vṛttayaḥ pañcatayyaḥ kliṣṭā akliṣṭāḥ॥5॥

[As] atividades [são] cinco aflitas [e cinco] não-aflitas.

Tradução Palavra por Palavra

वृत्तयः (vṛttayaḥ), feminino, nominativo, singular => condição, estado, atividade, funcionamento

पञ्चतय्यः (pañcatayyaḥ), feminino, nominativo, plural => os cinco membros, o que tem cinco partes.

क्लिष्टा (kliṣṭā), ppp, feminino, nominativo, singular => afligido, aflito, atormentado.

अक्लिष्टाः (अक्लिष्टाः) não kliṣṭā

Comentário

Este é um típico caso de sutra em que não ocorrem verbos mas apenas substantivos, os verbos devem ser inferidos do contexto. Outra coisa interessante neste sutra é que, literalmente, ele afirma que as atividades são cinco mas apresenta apenas duas. Do contexto e dos versos que seguem depreende-se que, na verdade, tratam-se de dois tipos de atividades sendo 5 de cada tipo: as que causam aflição e as que não causam aflição. Deste modo, outra tradução possível seria: Os tipos de atividade da mente são de dois tipos, as que causam aflição e as que não causam aflição. Sendo cinco de cada tipo.

Veja outros versos neste link.

Yoga Sutra I.4

Tradução do Verso 4 do Yoga Sutra de Patanjali

वृत्तिसारूप्यमितरत्र॥४॥

vṛttisārūpyamitaratra॥4॥

Por outro lado, [o observador assume forma]  similar às atividades [da mente] ॥4॥

Tradução Palavra por Palavra

वृत्ति (vṛtti), feminino => condição, estado, atividade, funcionamento

सारूप्यम् (sārūpyam), adjetivo => similaridade

इतरत्र (itaratra), indeclinável => por outro lado

Comentário

Este verso é um exemplo de como os sutras podem ser enigmáticos ou esteganografados, no sentido de resumirem tanto o texto de forma a excluir palavras que assume-se que estão evidentes pelo contexto e pelos versos anteriores. Observe que as palavras entre colchotes não estão verso original e foram adicionadas nesta tradução para facilitar o entendimento e a partir da interpretação deste tradutor do contexto em que o verso está inserido. Uma tradução literal seria: por outro lado, similar com as atividades. Assim, temos um tatpurusha instrumental em vṛtti + sārūpyam (वृत्ति + सारूप्यम्), na forma decomposta वृत्तिसारूप्यम् seria escrito वृत्तिभि: + सारूप्यम्. Observe que, na forma decomposta वृत्तिभि: está escrito no instrumental plural.

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Yoga Sutra I.3

Tradução detalhada do verso 3 do Yoga Sutra de Patanjali.

तदा द्रष्टुः स्वरूपेऽवस्थानम्॥३॥

tadā draṣṭuḥ svarūpe’vasthānam॥3॥

Neste caso, [o] observador [assume a] condição na sua própria natureza. [3]

Tradução Palavra por Palavra

तदा (tadā), indeclinável => neste caso.

द्रष्टुः (draṣṭuḥ), masculino, nominativo, singular => observador.

स्व (sva), masculino/feminino => próprio.

रूपे (rupe), masculino, locativo, singular =>forma, aparência, natureza.

अवस्थानम् (avasthānam), neutro, nominativo/acusativo => lugar de repouso, situação, condição.

Comentário

Na palavra स्वरूपेऽवस्थानम् ocorre um sandhi de vogal entre रूपे e अवस्थानम्. Neste caso, o a da segunda palavra é substituído por avagraha () e as palavras se juntam. Veremos que o termo observador é bastante usado no Yoga Sutra.

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Yoga Sutra I.2

Tradução detalhada do verso 2 do pada I do Yoga Sutra.

योगश्चित्तवृत्तिनिरोधः॥२॥

yogaścittavṛttinirodhaḥ॥2॥

[O] Yoga [é]  [a] supressão das atividades da mente [2]

Tradução Palavra por Palavra

योग (yoga), masculino => união

चित्त (citta), neutro => coração/mente, memória, pensamento, imaginação

वृत्ति (vṛtti), feminino => condição, estado, atividade, funcionamento

निरोधः (nirodha), masculino, nominativo singular => restrição, controle, destruição, supressão.

Comentário

Neste verso temos dois tatpurusha do tipo genitivo:

1) चित्तवृत्ति (चित्ताणम् + वृत्तीणम्) =  das atividades da mente. Observe que “das” e “da” já estão indicando os genitivos.

2) चित्तवृत्तिनिरोद्ध = निरोद्ध (restrição) + चित्तवृत्ति (das atividades da mente). A classificação da samāsa completa é tatpurusha acusativo, embora ela seja formada por dois tatpurushas genetivos.

Outro fator importante de se observar é que está havendo um sandhi de visarga entre योग: e चित्तवृत्तिनिरोद्ध,  neste caso a visarga (:) é substituída por (श्)

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Tradução Detalhada do Yoga Sutra de Patanjali

Nesta página, serão postadas traduções detalhadas dos versos do Yoga Sutra de Patanjali.

Embora existam muitas traduções deste texto disponíveis tanto online quanto em livros, poucas (ou nenhuma) delas apresenta uma tradução palavra por palavra explicando o que está ocorrendo no texto em sânscrito para se chegar à tradução apresentada. Esta tradução pretende ser um guia para estudantes (sérios) de Yoga que pretendem entender o que está por trás das traduções existentes.

Yoga Sutra I.1

Tradução detalhada do primeiro verso do Yoga Sutra de Patanjali.

अथ योगानुशासनम्॥१॥

atha yogānuśāsanam॥1॥

Agora, [começa] a instrução do Yoga [1]

Tradução palavra por palavra

अथ (atha), indeclinável, então, agora.

योग (yoga), masculino, união

अनुशासनम् (anuśāsanam), masculino, 2 caso, singular, instrução.

योगानुशासनम् é um tatpurusha genetivo, em que a primeira palavra caracteriza a segunda. Ou a segunda palavra é a “possuidora” da característica atribuída pela primeira. योगस्य + अनुशासनम्. Deve-se observar, também que ocorre um sandhi de vogal entre योग e अनुशासनम्, em que a última vogal de योग “funde-se” com a primeira vogal  de “अनुशासनम्” formando um a longo (ā).

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Obsessão e Loucura no Caminho para a Iluminação

Obsessão e Loucura no Caminho para a Iluminação (Em busca de uma história sobre a morte enigmática de um retirante budista, um escritor arrisca a própria mente ao se aprofundar no coração do mistério) Traduções de trechos de reportagens sobre problemas ocorridos nos Estados Unidos.

A primeira parte deste texto foi traduzida de: http://www.tricycle.com/feature/obsession-and-madness-path-enlightenment

O quanto alguém deveria se esforçar para conhecer sua própria alma?

É uma questão que eu tenho me esforçado por quase uma década após um incidente que me ensinou que meditação intensiva tem o potencial para liberar consequências inesperadas. Em 2006, eu tomei um emprego para liderar jovens estudantes colegiais americanos em um programa internacional através de lugares sagrados no Norte da Índia. A ênfase do programa era um retiro de meditação silenciosa de dez dias em Bodhgaya: o local onde Buddha alcançou a iluminação quase três milênios atrás. Quando as meditações acabaram, eu tive uma conversa com um de mês alunos – uma bela garota de 21 anos chamada Emily O’Conner (esse não é seu nome real) – sobre seu retiro. Ela disse que foi a experiência mais profunda de sua vida.

Naquela noite, enquanto os alunos conversavam entusiasticamente no templo, Emily escalou até o telhado de um dos dormitórios, com um lenço khadi em volta do rosto, e pulou. Um aluno que estava a caminho da cama a encontrou de cara com o solo. De acordo com o relatório das autoridades, ela morreu no impacto.

Eu fui encarregado de retornar com seus pertences para a América. Em algum lugar no caminho, a polícia Indiana me deu o diário dela. No oitavo dia do retiro, ela havia escrito em letra cursiva floreada, “Contemplar minha própria morte é a chave”. Então, uns poucos parágrafos depois, “Eu estou com medo de ter essa realização e enlouquecer.” Uma das últimas coisas que Emily escreveu, com a mesma mão firme, foi “Eu sou um Bodhisattva”. Ela acreditava que ela estava bem no caminho da transcendência.

Há muitas explicações por que Emily decidiu tirar sua própria vida. Talvez ela tenha entendido errado o significado de “iluminação”. Talvez ela tivesse instabilidades mentais subjacentes que apenas se manifestaram durante a meditação intensiva. De tudo que sei, ela era um Bodhisattva e continuou em sua jornada em outro reino. Contudo, aqui na terra eu me preocupei de que a iluminação não deveria ser tudo que se promete.

A morte de um segundo meditante, Ian Thorson, desta vez nas montanhas do Arizona, me deixou com a suspeita de que havia um mistério não mencionado no coração das técnicas transformacionais. A história da morte de Thorson é complicada, mas pode ser recontada brevemente: Geshe Michael Roach, o primeiro americano a receber o grau de Geshe (o equivalente no Budismo Tibetano a um PhD), passou anos estudando na Índia como um monge antes de se tornar eventualmente um guru controverso que tinha feito milhões na indústria do diamante em Nova York. Roach logo adquiriu um grande grupo de alunos seguidores que viam  valor na crença de que grande riqueza poderia ser um sinal de bom karma. Ian Thorson juntou-se ao grupo de Roach na década de 1990, uns poucos anos antes de Roach planejar começar um retiro silencioso de 3 anos com um grupo de suas estudantes mais atraentes. Thorson logo tornou-se um dos seguidores mais dedicados de Roach.

Quando Roach emergiu de seu retiro de 2003, ele anunciou que estava a caminho da iluminação, tinha realizado milagres e que sua namorada e aluna, uma mulher com metade de sua idade chamada Christie McNally, era uma encarnação terrena da deusa Vajrayogini. Eles passaram o retiro juntos inventando rituais tântricos baseados em suas próprias leituras idiossincrátricas de textos antigos. Roach e McNally começaram a viajar em turismo pelo mundo, dando aulas sobre as realizações espirituais que tiveram durante seu grande retiro no deserto.

Em uma viagem para a Alemanha, o casal sagrado se ligou com Thorson, que estava vivendo lá com sua namorada e o inspirou a deixá-la e retornar para a América, onde ele poderia ajudar a construir a Universidade da Montanha do Diamante – um instituto desacreditado de alta aprendizagem dedicado ao neo-budismo de Roach e McNally. Lá, nas montanhas Chiricahua do Arizona, McNally e Roach planejaram liderar um segundo retiro silencioso juntos, desta vez com mais de 40 alunos. Mas como planos para a empreitada estavam a caminho, o relacionamento do casal como a se deteriorar. Logo os dois se separaram e cada um encontrou um novo companheiro. Poucos anos depois, Christie McNally casou-se com Ian Thorson.

Ao invés de passar os próximos três anos em silêncio com sua ex-esposa, Roach deu controle do retiro para McNally que tomou muito mais liberdades com os ensinamentos de Buddha do que Roach havia tomado. Ela começou a ensinar Tantra Hindu, invocando a deusa Kali como uma protetora do retiro. Os retirantes mergulharam em silêncio, confiantes na liderança de McNally. Mas tudo não estava bem em seu paraíso meditativo.

Psicose, esfaqueamento, mistério e morte em uma universidade neo-budista no Arizona

Texto traduzido de: http://www.elephantjournal.com/2012/05/psychosis-stabbing-secrecy-and-death-at-a-neo-buddhist-university-in-arizona/

Uma tragédia ocorreu e continua a se desenrolar nas montanhas do sudeste do Arizona. A morte de Ian Thorson, 38 anos, no domingo 22 de abril, numa caverna de uma montanha a 6000 pés de altura. O porta-voz do sheriff descartou jogo sujo até agora, mas a investigação está em andamento. O relatório do médico legista ainda será liberado. A causa imediata da morte de Thorson é mais provavelmente exposição e desidratação. Mas eu acredito que uma investigação completa mostrará que as causas mais profundas envolvem fanatismo religioso, psicose não tratada e negligência grosseira, incompetência e obstrução aos diretores do centro de retiros neo-budista chamado Diamond Mountain University, liderado por seu fundador e diretor espiritual, Michael Roach. Essa investigação completa médica e legal é garantida imediatamente, por que ainda há 35 pessoas em retiro na propriedade da Diamond Mountain que podem bem estar em perigo físico e mental como Thorson estava.

Thorson foi encontrado morto numa caverna de 6 por 8 pés em terras de reserva federal, cuidado por sua esposa desidratada Christie McNally, 39, uma ex-amante de Roach, conhecido da comunidade Diamond Mountain, e globalmente, como “Lama Christie”. Ela está se recuperando de sua perda e sintomas de exposição em uma localização não divulgada.

Minha intenção em divulgar essa história terrível para a comunidade de meditação e yoga e para o grande público tem quatro aspectos e não é maliciosa. Primeiro, eu quero encorajar uma investigação imediata na segurança física e mental dos residentes da Diamond Mountain. Segundo, eu quero ampliar nossa discussão em andamento do que constitui espiritualidade fundamentada, empática e útil – como oposta a delusões narcisistas e dissociativas de grandeza que podem ser danosas não apenas para praticantes, mas para uma cultura mais ampla. Terceiro, eu quero pressionar (e encorajar outros a pressionar) o Board of Directors of Diamond Mountain University a frear o clareamento óbvio de eventos que já começou. Os eventos na Diamond Mountain evocam questões cruciais de liderança responsável, prestação de contas democrática e qualificações terapêuticas que os diretores deveriam responder, não apenas pela segurança de seus próprios alunos, mas para a comunidade budista mais ampla e para os buscadores espirituais em geral, muitos dos quais vêm para ashrams e centros de retiro com profundas marcas psicológicas que são tragicamente temperados por robes e oradores e estruturas autoritárias de poder. Ultimamente, estou escrevendo na esperança de suavizar o controle que eu acredito que Roach tem sobre seus seguidores, muitos dos quais, incluindo Thorson, eram amigos e conhecidos meus, tempos atrás, quando eu mesmo também era um considerável escravo de Roach. Reconheço que muitas pessoas ao redor do mundo sintam que suas vidas foram enriquecidas pelo idealismo entusiasta de Roach e não desejo diminuí-las. Mas minha preocupação é que a estrutura de poder de Roach, que foi cultivada consciente ou inconscientemente pelo seu carisma, reprime o pensamento independente e o crescimento, e agora o está protejando contra o problema do cadáver de Thorson e a pessoalidade de Christie McNally, na escuridão exterior da racionalização espiritual.

Eu coletei tanta informação quanto fui capaz no impulso de publicar esta história para que houvesse tempo de mediar o perigo para aqueles que ainda estão em retiro. Infelizmente, minhas tentativas nos últimos dois dias de se engajar com os conhecidos de minha antiga comunidade sobre os eventos foram becos-sem-saída, devido, eu acredito, o sigilo endêmico dos cultos. No entanto, eu tenho uma visão sobre os documentos que todas as pessoas podem acessar abertamente, e espero que meu pensamentos sobre isso encoragem mais questionamentos sábios – tanto jornalísticos quanto legais. Serei cuidadoso em qualificar minhas percepções com as palavras “parece” e “presumido”,  em minhas opiniões com a expressão “eu acredito”.

Plano de fundo da tragédia

McNally tem sido aluno de Roach desde 1996. O próprio Roach tem sido aluno do antigo Khensur Rinpoche Lobsang Tharchin, de Howell, New Jersey, desde meados da década de 1970. Em meados de 1980 ele tomou os votos monásticos e obteve o grau de “Geshe”. A proximidade de Roach com McNally levantou suspeitas das alas mais conservadoras da comunidade e houve rumores de que eles eram amantes, o que os votos monásticos de Roach proibiam. Era muito claro pra mim que eles eram amantes e isso foi confirmado em 1999 numa viagem para a Índia em que muitos membros da comunidade expressaram desânimo ao verem McNally esgueirar-se da cela de Roach antes do nascer do sol, todos os dias.

Em 2000, Roach, McNally, e cinco de suas alunas entraram em retiro fechado de 3 anos numa terra deserta próxima a 960 acres do que se tornou a Diamond Mountain University. Enquanto fazia marketing na época de levantamento de fundos de seu retiro de ele era “tradicional”, “autêntico” e “antigo”, Roach negou-se a revelar aos seus milhares de patrocinadores que ele iria coabitar com McNally numa cabana compartilhada no deserto, um fato que tornou-se aparente para muitos durante os vários períodos de ensinamentos abertos do retiro, durante os quais centenas de estudantes viajavam para o deserto para ouvir Roach ensinar às cegas. A ampla comunidade Budista Tibetana começou a afastar-se tanto de Roach quanto de sua comunidade, não apenas por seu comportamento não-convencional e falta de transparência, mas também pelo seu academicismo falso e finas interpretações new-age da filosofia do Caminho-do-Meio – o alicerce da metafísica Gelukpa.

Roach and McNally emergiram do retiro em 2003 como parceiros espirituais compromissados que se engajaram em uma “intimidade de celibato”, uma reivindicação que mistificou seus alunos casados e ultrajou os piedosos. O relacionamento expôs seus múltiplos desafios à ortodoxia tibetana a uma visão de completo mau-gosto e concretizou os limites de seu crescente culto forçando seus devotos a separarem-se da mais ampla cultura ocidental budista que, agora, firmemente, rejeitava e criticava os títulos e autoridade de Roach.

Nem toda ruptura no mundo de Roach foi política ou teológica. McNally separou-se de Roach em 2008 ou 2009, que havia sido vista rapidamente em Armani e passando em clubes de Manhattan com modelos russas. McNally logo fez parceria com Thorson e começou a fazer incursões carismáticas nas cenas de Yoga de Nova York, fazendo parceria para ensinar uma sagrada ficcional “prática tibetana antiga de ásanas para alcançar objetivos espirituais usando um parceiro”.

Havia algo estranho ocorrendo com Thorson. Durante os ensinamentos ele exibia kriyas severos e barulhentos – estouros espontâneos de energia interna que subiam de modo irregular por sua espinha, viravam sua cabeça para trás e o faziam arfar e soluçar.

Um esfaqueamento no deserto

Em 2010, após vários anos de reivindicações grandiosas e proselitismo pelo mundo sobre assuntos tão diversos quanto “casamento espiritual”, “criação de seu próprio paraíso búdico”, “os segredos de Jesus e do Buda” e “negócios iluminados”, McNally foi indicada à Diretoria de Retiro para o segundo retiro de 3 anos, e foi para o deserto em silêncio com Thorson e 39 de seus discípulos nas propriedades da Universidade. Em algum momento, episódios de violência doméstica surgiram dentro da casa de retiros que ela compartilhava com Thorson. Os retirantes devem fazer silêncio pelo protocolo de retiro, então se algum deles estava ciente de problema, deve ter havido pressão contra o relato.

À cada 6 meses mais ou menos, o Diretor de Retiros e retirantes selecionados, e professores que não estão em retiro juntam-se publicamente para dar ensinamentos. Em fevereiro daquele ano, McNally falou em um dos eventos. Como Roach relata: “Lama Christie descreveu o que pareceu abusos fisicos repetidos de si mesma por seu marido e também um incidente em que ela esfaqueou Thorson, descrevendo como uma influência espiritual”.

E, sim, McNally tinha esfaqueado Thorson com uma faca três vezes, imagino que em própria defesa, como atestado por um dos retirantes que era médico. O médico a costurou e então foi limitado pelo silêncio não apenas pelas regras do próprio retiro mas também por sua subordinação espiritual ao casal. Uma das facadas foi funda o suficiente para  ameaçar órgãos vitais.

Um conselho de diretores cegos pelo dogma

Pela descoberta da sequência de esfaqueamentos em diante, acredito que todas as decisões do Conselho foram tomadas (a maioria provavelmente inconsciente) para proteger a hierarquia da Universidade e santidade de seu dogma, e não para nutrir a saúde física e emocional dessas duas pessoas criticamente problemáticas, ou de qualquer pessoa abaixo na escala do poder.

A decisão para não imediatamente convidar aplicação da lei externa ou serviços de saúde mental para a propriedade para examinar a situação e entrevistar os indivíduos é, acredito, coerente com a resistência geral do grupo à influência externa.

Mais sobre o assunto: http://playboy.co.za/death-and-madness-at-diamond-mountain

 

Discussão sobre o Caminho Empoderado (śākta-upāya)

Abhinava Gupta foi, provavelmente, o maior mestre de Tantra Shaiva que já viveu entre nós. Em sua obra Tantrasāra (A Essência dos Tantras), em inicia o Capítulo 4 com o seguinte texto.

Quando uma pessoa escolhe gradualmente refinar e purificar seu entendimento da realidade de modo a entrar na realização experiencial de sua verdadeira natureza como descrito anteriormente, ele emprega um processo de contemplação (bhāvanā-krama) que pressupõe o raciocínio e o discernimento apropriados (sat-tarka), escrituras verdadeiras (sad-āgama) e a instrução por um professor da Realidade (ou verdadeiro professor – sad-guru).

Obs.: este texto em português é a tradução da versão em inglês traduzida do sânscrito por Christopher Hareesh Wallis.

Duas Kundalinis??

O professor Hareesh, juntamente com alguns colegas dele estudiosos do Tantra estão trazendo à baila várias discussões, no mínimo curiosas. Uma das discussões levantadas por Hareesh em seu livro “The Recognition Sutras” é resumida, em suas próprias palavras como segue.

“A noção de se elevar a kundalinī da base da espinha para a região da coroa da cabeça, que é um ensinamento da tradição do Hatha-Yoga, é significativamente antecedido por um ensinamento do Tantra clássico de que há DUAS kundalinīs — uma Kundalinī superior na cabeça e uma Kundalinī inferior na base (na região do assoalho pélvico). A primeira deve ser ativada e trazida para baixo, a outra deve ser ativada e trazida para cima. Uma vez ativadas, elas movem-se pelo canal central, para finalmente fundirem-se no coração — resultando na experiência de união do transcendente e do imanente, do espiritual e do material.”

Este ensinamento é dado no capítulo 18 do The Recognition Sutras, dentre outras fontes.

Além da novidade das duas kundalinīs, há um fator que merece ser chamado à atenção: a kundalinī de baixo sobe a partir da região do períneo, ou do assoalho pélvico, pelo centro do corpo  e não da base da coluna pela coluna. Muitos autores e professores têm cometido o erro em suas práticas/ensinamentos ao falar que kundalinī sobe pela coluna vertebral. Na verdade, ela sobe pela sushumna nadī (que não está localizada na coluna vertebral.)