nyaya sutras 1.1.16 – a mente não é multitarefa

Quase todos os dias fico impressionado com a sabedoria da Índia. Hoje, foi lendo Nyaya Sutras e vendo que eles já sabiam que não existe a capacidade humana de prestar atenção a múltiplas coisas simultaneamente. Isto é expresso no Sutra 1.1.16:


युगपञ्ज्ञानानुत्पत्तिः मनसो लिङ्गम्


[a] marca (लिङ्गम्) da mente (मनसः) [é o] fracasso (अनुत्पत्तिः) [em] simultaneamente (युगपत्) [conhecer múltiplos] conhecimentos


युगपञ्ज्ञानानुत्पत्तिः = युगपत् ज्ञान अनुत्पत् तिः
युगपत् = indec. = simultaneamente
ज्ञान = m = conhecimento, consciência
अनुत्पत्तिः = f1s = falha, não produção
मनसो = मनसः = n6s = da mente
लिङ्गम् = n1s = marca, sinal


Os Nyaya Sutras foram compostos entre o século VI AC e o século II DC, mas só recentemente os neurocientistas puderam dar algumas provas da ausência de capacidade multitarefa para os seres humanos. Por exemplo, em “Multicostes of Multitasking” Madore e Wagner (2019) dizem:


“Na verdade, multitarefa é quase sempre um termo impróprio, já que a mente e o cérebro humanos não possuem arquitetura para realizar duas ou mais tarefas simultaneamente.”

Como lidar com o desejo

यतो न कामप्राप्त्या कामप्रविलयः अपि तु दोषपरिभावनाभुवा प्रसङ्ख्यानेन ( मण्डनमिश्र ब्रह्मसिद्धि )

pois [a] dissolução do desejo não [é alcançada] pela obtenção [do que se] deseja mas certamente por  prasaṅkhyāna  com base na contemplação do defeito [do objeto desejado].

यतो = यतः (हशि च ६.१.११४ ) = indec. = pois, onde

न = indec. = não

कामप्राप्त्या = काम प्राप्त्या (षष्टी-तत्पुरुष-समास) = pela obtenção do desejo (ou do que é desejado)

काम = masc. = desejo

प्राप्त्या = fem. 3 sing. = प्राप्ति = pela obtenção

कामप्रविलयः = काम प्रविलयः ( षष्टी-तत्पुरुष-समास )

काम = masc. = desejo

प्रविलयः = masc. 1 sing. = dissolução

अपि = indec. = e, também, certamente

तु = indec. = mas

दोषपरिभावनाभुवा = ( ( दोष परिभावना – षष्टी-तत्पुरुष-समास ) भुवा – सप्तमी-तत्पुरुष-समास)

दोष = masc. = defeito

परिभावना = fem. = contemplação

भुवा = fem. 3. sing = भू = pela/por/com base

प्रसङ्ख्यानेन = 3 sing = por  prasaṅkhyānena

Tradução de shloka do Shivadharmashastra – Cap. 11

न हीदृक्स्वर्गसोपानं यथा लोके प्रियं वचः ।  इहामुत्र सुखं तेषां वाग्येषां मधुरा सदा ॥ ७३ ॥

na hīdṛksvargasopānaṃ yathā loke priyaṃ vacaḥ ।  ihāmutra sukhaṃ teṣāṃ vāgyeṣāṃ madhurā sadā ॥ 73 ॥

não se conhece uma escada para a morada dos deuses no mundo como a fala gentil | aqueles que sempre tem fala doce esses tem felicidade aqui e lá (na morada dos deuses).

न = indec. => não

हीदृक्स्वर्गसोपानं => ही दृक् [ स्वर्ग सोपानं TP4

ही => exclamação

दृक् = visto, conhecido

स्वर्ग = céu, morada dos deuses

सोपानं = escada

यथा = indec. => como

लोके => no mundo

प्रियं => gentil

वचः => n1s => palavra, fala

इहामुत्र = इह अमुत्र

इह = indec. => aqui, neste mundo

अमुत्र = indec. => lá

सुखं = felicidade

तेषां => dessas

वाग्येषां => वाग् येषाम्

वाग् = f => fala

येषाम् = m6p => daqueles

मधुरा = f1s = doce

सदा => indec. => sempre

Tradução – Virupakshasika Capítulo 2 Verso 9

Tradução do verso 2.9 e do bhashya deste verso feito por Vidyacakravartin. Tradução baseada no texto de David Peter Lawrence.

Esta tradução tomou como base a tradução disponível no livro The Teachings of the Odd-Eyed One: A Study and Translation of the Virupaksapancasika, with the Commentary of Vidyacakravartin . Em vários aspectos a tradução que eu estou disponibilizando aqui difere da apresentada no livro. Provavelmente, pela falta de experiência minha em traduções do sânscrito. A minha principal intenção é apontar o significado das palavras que compõem o verso e o Bhashya e em alguns casos apontar aspectos gramaticais.

प्रत्यवमर्शात्मासौ चितिः स्वरसवाहिनी परा वाग् या । आद्यन्तप्रत्याहृतवर्णगणा सत्यहन्ता सा ॥९॥

pratyavamarśātmāsau citiḥ svarasavāhinī parā vāg yā । ādyantapratyāhṛtavarṇagaṇā satyahantā sā ॥9॥

Essa (असौ) consciência [चितिः] [é] [a] natureza (आत्मा) da deliberação sobre si (प्रत्यवमर्श), [é] a fala [वाक्] suprema [परा], fluindo [वाहिनी] em sua própria essência (स्वरस), que (या) [está] contida (प्रत्याहृत) no grupo (गणा) de fonemas (वर्ण) do primeiro ao último. Esta (सा) [é] em realidade (सति) a subjetividade/eu-dade (अहन्ता).

Detalhes da tradução do verso

प्रत्यवमर्शात्मासौ = ( प्रत्यवमर्श आत्मा TP6) असौ

प्रत्यवमर्श = reflexão; contemplação, deliberação

आत्मा = ātmā: m1s: ātman = essence, nature, character

असौ  = asau: f1s: adas = aquela, essa

चितिः = citis: f1s: citi = consciência, mente, intelecto

स्वरसवाहिनी = ( स्वरस वाहिनी TP7) = fluindo em sua própria essência

स्वरस = essência própria 

वाहिनी = vāhinī: f1s: vāhin = fluxo, fluindo

परा = parA = suprema

वाग् = वाक् => fala

या = pronome relativo feminino nominativo singular = que, quem

आद्यन्तप्रत्याहृतवर्णगणा = आद्यन्त प्रत्याहृत वर्ण गणा

आद्यन्त = primeiro e último

प्रत्याहृत = contido

वर्ण = letra, fonema

गणा = f1s: gaṇa = grupo

सत्यहन्ता = सति अहन्ता =

सति = sati: m7s: sat = em realidade, na verdade

अहन्ता = f1s = estado de ser eu, eu-dade, subjetividade

सा = pron. demonstrativo f1s = esta

Bhashya

प्रत्यवमर्शात्मा  विमर्शस्वभावा । असौ सर्वस्यैव स्वानुभवसिद्वत्वाद् असावित्यध्यक्षतया निर्देष्टुमुचिता । चितिः विगलितचेत्योपरागा चेतनस्य स्वरूपेणावस्थितिः । स्वरसवाहिनी निरोधकाभावादनिशं स्फुरद्रूपा । सा विमर्शमयत्वाद् वाक् । तत्रापि स्वरूपज्योतिष्ट्वेनैव प्रकाशनात् स्वरूपव्यतिरिक्तपस्यन्त्यादिरूपा नेयम् , अपि तु परैव, यदागमः – स्वरूपज्योतिरेवान्तः सूक्ष्मा वागनपायिनी इति । शुद्धवाग्रूपत्वाद् येयं वर्णात्मिका , सा प्रत्याहारयुक्त्या गृहीताभ्यामकारहकाराब्यामहन्तेति निरुच्यते , न पुनरहामिति प्रतियमानतयैवेयमहन्ता 

Essa (असौ) [é] [a] natureza (आत्मा) da deliberação sobre si (प्रत्यवमर्श) significa [que tem] a natureza da deliberação. Essa (असौ) [significa] [a] agradável definição pelo perceptível devido a ter realizado o entendimento de si própria e portanto de tudo. Consciência (चितिः) significa dissolvida, [o] desejo de fazer brilhar e estabelecida pela própria natureza  da consciência. A afirmação “ fluindo [वाहिनी] em sua própria essência (स्वरस)” significa [a] forma da existência do obstrutor [que] vibra incessantemente. Esta (सा) significa [a] fala [é] constituída por introspecção.

Portanto, também nesse caso, pelo estado de ser a dispersão do brilho da própria natureza a partir do iluminante, [ela é a] primeira aparência [para os] que enxergam além da própria natureza. E, também, não [é] esta então suprema quando se afastando – [a] luz da própria forma portanto [é o] fim sutil inseparável da fala.

Esta que devido à fala pura [é] composta de fonemas, ela pela união na dissolução é terminada por ha [e] entendida por A [e] HA, não é expressa, nem [é] novamente “Eu”. Então esta subjetividade [é] pacificada por restaurar(-se)

Detalhes da tradução

प्रत्यवमर्शात्मा  विमर्शस्वभावा ।

प्रत्यवमर्शात्मा significa a natureza da deliberação

प्रत्यवमर्शात्मा  is विमर्शस्वभावा = 

विमर्शस्वभावा = विमर्श स्वभावा TP6 = [a] natureza da deliberação

विमर्श = reflexão, consideração, deliberação

स्वभावा = f1s = natureza, condição própria, estado de ser

असौ सर्वस्यैव स्वानुभवसिद्वत्वाद् असावित्यध्यक्षतया निर्देष्टुमुचिता ।

असौ  = सर्वस्यैव स्वानुभवसिद्वत्वाद् असावित्यध्यक्षतया निर्देष्टुमुचिता = essa [significa] devido a ter realizado o entendimento de si própria e portanto de tudo, [a] agradável definição pelo perceptível.

सर्वस्यैव = सर्वस्य एव = portanto de todos/tudo

स्वानुभवसिद्वत्वाद् => ( ( स्व अनुभव ) सिद्वत्वात् TP6) = devido a ter realizado a percepção de si

स्व = próprio

अनुभव = percepção, entendimento

सिद्धत्वात् = n5s = devido a ter alcançado/realizado

असावित्यध्यक्षतया = असावित् अध्यक्षतया

असाविति =   असौ इति = 

असौ =  f1s: adas = essa

इति = “”

अध्यक्षतया  = f3s ppp: pelo perceptível 

निर्देष्टुमुचिता = निर्देष्टुम् उचिता = [a] agradável definição 

निर्देष्टुम् = infinitivo de निर्देष् = definir, guiar 

उचिता = ucitā: f1s ppp : ucita = prazeroso, agradável

चितिः विगलितचेत्योपरागा चेतनस्य स्वरूपेणावस्थितिः ।

चितिः significa विगलितचेत्योपरागा चेतनस्य स्वरूपेणावस्थितिः =  dissolvida, [o] desejo de fazer brilhar e estabelecida pela própria natureza  da consciência

विगलितचेत्योपरागा = विगलित च इति ओप रागा

विगलित च इति ओपरागा = 

विगलित = esvaziado, secado, dissolvido

च = e

इति = “”

ओप = fazer brilhar, polir

रागा = f1s = paixão, desejo

चेतनस्य => 6s = da consciência

स्वरूपेणावस्थितिः = स्वरूपेण अवस्थितिः = estabelecida pela própria natureza

स्वरूपेण = pela própria natureza 

अवस्थितिः = f1s: avasthiti = situada, estabelecida

स्वरसवाहिनी निरोधकाभावादनिशं स्फुरद्रूपा । 

स्वरसवाहिनी significa निरोधकाभावादनिशं स्फुरद्रूपा = [a] forma da existência do obstrutor [que] vibra incessantemente 

निरोधकाभावादनिशं स्फुरद्रूपा   = निरोधक अभावत् अनिशम् = incessantemente desde a existência do impedidor

निरोधका = 6s  = obstrutor, confinador, impedidor

भावात् = 5s = do ser, da existência

अनिशम् = indec. = incesantemente, continuamente

स्फुरद्रूपा = स्फुरत् रूपा = [a] forma [que] vibra

स्फुरत् = que treme, tremendo, que vibra

रूपा = f1s = forma

सा विमर्शमयत्वाद् वाक् ।

सा significa विमर्शमयत्वाद् वाक् = [a] fala [é] constituída por introspecção 

विमर्शमयत्वाद् वाक्  = (विमर्शम् अयत्वात् TP6) वाक् = 

विमर्शम् =  m2s = reflexão, introspecção

अयत्वात् = 5s desde ser constituída

वाक् = fala

तत्रापि स्वरूपज्योतिष्ट्वेनैव प्रकाशनात् स्वरूपव्यतिरिक्तपस्यन्त्यादिरूपा नेयम् , अपि तु परैव, यदागमः – स्वरूपज्योतिरेवान्तः सूक्ष्मा वागनपायिनी इति ।

Portanto, também nesse caso, pelo estado de ser a dispersão do brilho da própria natureza a partir do iluminante, [ela é a] primeira aparência [para os] que enxergam além da própria natureza. E, também, não [é] esta então suprema quando se afastando – [a] luz da própria forma portanto [é o] fim sutil inseparável da fala.

तत्रापि = तत्र अपि =

तत्र = lá, nesse caso

अपि = também

स्वरूपज्योतिष्ट्वेनैव = ( स्वरूप ज्योतिष्ट्वेन 3s, TP6) एव = portanto pelo estado de ser a dispersão do brilho da própria natureza

स्वरूप = própria natureza

ज्योतिष्ट्वेन = 3s = pelo estado de ser a dispersão do brilho

एव = portanto

प्रकाशनात् = n5s = desde o iluminante

स्वरूपव्यतिरिक्तपश्यन्त्यादिरूपा = स्वरूप व्यतिरिक्त पश्यन्ति आदिरूपा = primeira aparência [para os] que enxergam além da própria natureza

स्वरूप = própria natureza 

व्यतिरिक्त = indo além, excessivo, imoderado

पश्यन्ति  = n1/2p = que veem/enxergam

आदिरूपा = f1s = primeira aparência

नेयम् =  न इयम् = 

न = não

इयम् = f1s इदम् = esta

अपि => também

तु => e, mas

परैव => परा एव =

परा = suprema  

एव = portanto, então

यदागमः = यदा गमः =

यदा  = quando, sempre que

गमः = se afastando

स्वरूपज्योतिरेवान्तः = स्वरूप ज्योतिः एव अन्तः = [a] luz da própria forma portanto é o fim

स्वरूप = própria forma 

ज्योतिः = m1s = luz

एव = portanto, então

अन्तः = m1s = fim, limite

सूक्ष्मा = f1s = sutil

वागनपायिनी = (वाग् अनपायिनी TP6) = inseparável da fala

वाग् = fala 

अनपायिनी = inseparável

इति = “”

शुद्धवाग्रूपत्वाद् येयं वर्णात्मिका , सा प्रत्याहारयुक्त्या गृहीताभ्यामकारहकाराब्यामहन्तेति निरुच्यते , न पुनरहामिति प्रतियमानतयैवेयमहन्ता 

Esta que devido à fala pura [é] composta de fonemas, ela pela união na dissolução é terminada por ha [e] entendida por A [e] HA, não é expressa, nem [é] novamente “Eu”. Então esta subjetividade [é] pacificada por restaurar(-se)

शुद्धवाग्रूपत्वाद्  = शुद्ध वाग् रूपत्वात्

येयं = येयम् = या इयम् = 

या = pron. relativo que 

इयम् = f1s इदम् = esta

वर्णात्मिका =वर्ण आत्मिका

वर्ण = letra, fonema

आत्मिका = f1s = composta de fonemas

सा = essa, a, aquela

प्रत्याहारयुक्त्या =प्रत्याहार युक्त्या = pela união com/da dissolução

प्रत्याहार = m = reabsorção, dissolução

युक्त्या = f3s: yukti = união, junção conexão

गृहीताभ्यामकारहकाराभ्यामहन्तेति = गृहीताभ्याम् ( अकार  हकाराभ्याम् DVD) अहन्त इति = é terminada por ha [e] entendida por A [e] HA

गृहीताभ्याम् = ppp 3d = pelas as duas recebidas, aceitas, obtidas, entendidas

अकार हकाराभ्याम् = por/com A [e] HA

अहन्त = terminando com HA

इति = “”

निरुच्यते = não expressa 

न = não

पुनरहामिति = पुनः अहाम् इति

प्रतियमानतयैवेयमहन्ता = प्रतियम् आनत एव इयम् अहन्ता = então esta subjetividade [é] pacificada por restaurar(-se)

प्रतियम् = restaurar, retornar, é equivalente

आनत = obediente, pacificada

एव = portanto, então

इयम् = f1s इदम् = esta

अहन्ता = f1s = subjetividade, eu-dade

Nirvana Shatkam – Sexteto do Nirvana – Verso 2

न च प्राणसंज्ञो न वै पञ्चवायुर्न वा सप्तधातुर्न वा पञ्चकोशः ।

न वाक्पाणिपादौ न चोपस्थपायुश्चिदानन्दरूपः शिवोऽहं शिवोऽहम् ॥ २॥

E não sou o que é conhecido como prana, nem mesmo os cinco ventos ou os sete elementos ou as cinco coberturas. Não sou a fala, as mãos, os dois pés e nem órgãos genitais, nem órgãos excretores. Eu sou a essência da felicidade e da consciência. Eu sou Shiva. Eu sou Shiva. 

न => não

च => e

प्राणसंज्ञो => प्राण संज्ञो => प्राण + संज्ञः => bahuvrihi => o que é conhecido como prana

न => não

वै => mesmo

पञ्चवायुर्न => पञ्च वायुः न

पञ्च => cinco

वायुः => m1s => vento

न   => não

वा => ou

सप्तधातुर्न => सप्त  धातुः न

सप्त => sete 

धातुः => m1s => elemento

न => não

वा => ou

पञ्चकोशः => पञ्च कोशः

पञ्च => cinco

कोशः => coberturas

न => na

वाक्पाणिपादौ => वाक् पाणि पादौ

वाक् => f => fala

पाणि => m => mão

पादौ => m1d => dois pés

न => não

चोपस्थपायुश्चिदानन्दरूपः => च उपस्थ पायुः  चिद्  आनन्द रूपः

च => e

उपस्थ => m => órgãos genitais

पायुः => m1s => órgão excretor

चिद् => consciência

आनन्द => felicidade

रूपः => m1s => forma

शिवोऽहं => शिवः अहम् 

शिवः => m1s => shiva

अहम् => pron. => eu

शिवोऽहम् => शिवः अहम्

शिवः => m1s => shiva

अहम् => eu

Nirvana Shatkam – nirvāṇaṣaṭkam – Tradução do verso 1

Tradução do verso 1 do Sexteto do Nirvana.

मनोबुद्ध्यहङ्कारचित्तानि नाहं न च श्रोत्रजिह्वे न च घ्राणनेत्रे ।

न च व्योमभूमिर्न तेजो न वायुश्चिदानन्दरूपः शिवोऽहं शिवोऽहम् ॥ १॥

eu não [sou] [a] mente, [o] intelecto, [a] individualidade, [os] pensamentos

e [não sou] [o] ouvido, [a] língua,

e [não sou] [o] cheiro e [os dois] olhos

e não [sou] [o] céu, [a] terra, nem [o] fogo,

e nem [o] vento.

[eu sou a] essência da felicidade e da consciência,

eu [sou] shiva

eu [sou] shiva

  

मनोबुद्ध्यहङ्कारचित्तानि => मनः बुद्धि अहंकार चित्तानि 

मनः => n1s => mente

बुद्धि => n1s => intelecto

अहंकार => m => individualidade

चित्तानि => n1p ppp चित्त => pensamentos 

नाहं => न अहम्

न => indec. => não

अहम् => pron. => eu

न => indec. => não

च => indec. => e

श्रोत्रजिह्वे => श्रोत्र जिह्वे

श्रोत्र => n => ouvido

जिह्वे => f1d => língua

न => indec. => não, nem

च => indec. => e

घ्राणनेत्रे => घ्राण नेत्रे

घ्राण => cheiro

नेत्रे => f2d => dois olhos

न => não

च => e

व्योमभूमिर्न => व्योम भूमिः न

व्योम => n1s => céu

भूमिः => f1s => terra

न => não

तेजो => तेजः => m1s => fogo

न => não

वायुश्चिदानन्दरूपः => वायुः चिद्  आनन्द रूपः

वायुः => m1s => vento

चिद् => consciência

आनन्द => m => felicidade

रूपः => m1s => forma

शिवोऽहं => शिवः अहम् 

शिवः => m1s => shiva

अहम् => pron. => eu

शिवोऽहम् => शिवः अहम्

शिवः => m1s => shiva

अहम् => eu

Tradução de subhāṣita em sânscrito

पुस्तकस्था तु या विद्या परहस्तगतं धनम् |

कार्यकाले समुत्पन्ने  सा विद्या न तद् धनम् ||

pustakasthā tu yā vidyā parahastagataṃ dhanam |

kāryakāle samutpanne sā vidyā na tad dhanam ||

[o] conhecimento (विद्या) que está nos livros (पुस्तकस्था) e (tu) [a] riqueza (धनम्) possuída longe (परहस्तगतम् )  no tempo oportuno (कार्यकाले) esse (सा) conhecimento (विद्या) [e] essa (तद्) riqueza (धनम्) não surgirão (समुत्पन्ने).

Sutra 15 – Pada I – Yoga Sutra de Patanjali

Tradução do sutra 15 do pada I do Yoga Sutra de Patanjali. Esse sutra define vayragya.

दृष्टानुश्रविकविषयवितृष्णस्य वशीकारसञ्ज्ञा वैराग्यम्

dṛṣṭānuśravikaviṣayavitṛṣṇasya vaśīkārasañjñā vairāgyam

दृष्टा => ppp => visto, percebido, notado

अनुश्रविक => adj. => conhecido através/dos shastras

विषय => m => domínio, região, território, objeto dos sentidos

वितृष्णस्य => m/n6s => do livre de desejo

वशीकार => m => superação, conquista, dominação

सञ्ज्ञा => f => concordância, harmonia

वैराग्यम् => n => não apego

Sujeito da frase: वैराग्यम्

Verbo: implícito => verbo Ser

Tradução

[O] não apego é [a] harmonia da conquista daquele que é livre de desejos pelos objetos dos sentidos vistos [ou] conhecidos através dos shastras.

 

Espiritualidade, à la carte ou self-service?

O risco de querermos inventar nosso caminho espiritual.

Houve um tempo em que alguém que quisesse aprender sobre Yoga (ásanas, ascese, pranayama, etc), meditação, Vedanta, Rituais ou qualquer assunto relacionado à espiritualidade deveria procurar por alguém que reconhecidamente era um professor daquele assunto. Veja que enfatizei a palavra reconhecidamente. O reconhecimento de que alguém era um professor de assuntos espirituais vinha de pelo menos duas origens: (i) de uma linhagem de mestres-díscipulos da qual o professor reconhecido fazia parte; (ii) de uma comunidade que estava em volta daquele professor, estudava com, punha em prática seus ensinamentos e os validava em sua vida.

Como muitos desses professores reconhecidos não tinha o ensino do autoconhecimento como uma profissão, mas como parte da sua vida, eles não divulgavam aos quatro ventos que estavam ensinando esses assuntos e que estavam à procura de alunos. Então, pra começo de conversa era meio complicado de achar alguns professores. Em segundo lugar, não bastava chegar ao professor e dizer que queria estudar com ele, você deveria mostrar-se merecedor do conhecimento.

O tempo passou, algumas tradições morreram de morte natural ou foram atacadas por outras tradições e destruídas. Alguns professores, por medo de que o conhecimento morresse com eles pediram para seguidores anotarem seus ensinamentos. Outros professores, simplesmente escreveram os ensinamentos ou comentários sobre os ensinamentos. Além disso, as tecnologias evoluíram permitindo que os textos fossem reproduzidos digitalmente favorecendo a propagação e divulgação dos assuntos espirituais.

Com a popularização da Internet, ficou muito fácil de encontrar textos sobre praticamente qualquer assunto “dito espiritual”. Melhor/Pior que isso, ficou muito fácil acessar “ensinamentos” de “mestres” espirituais via vídeos e áudios. Veja a quantidade de aspas que usei nas sentenças anteriores. Só por que os textos estão disponíveis facilmente não quer dizer que sua leitura ou estudo serão benéficos para qualquer pessoa em qualquer estágio de sua vida. Outro fator complicador é que os textos tradicionais estão escritos em sânscrito. A maioria deles não tem tradução. Por mais que os acadêmicos se esforcem para criar traduções “neutras” sem viés de linhagem, isso não é possível (na minha humilde opinião). A questão da tradução é ainda mais grave, devido a existirem muitas traduções péssimas de vários textos em sânscrito.

É evidente que o primeiro passo de qualquer pessoa hoje ao buscar conhecimentos sobre espiritualidade é fazer uma pesquisa na Internet. Essa possibilidade é uma bênção, não há como negar. Também é evidente que as primeiras tradições com as quais nos conectamos o fazemos por afinidade. (Uma amiga anarquista foi quem me fez perceber isso). E essa conexão por afinidade é similar a escolha de uma comida em um cardápio. Ou seja, à la carte. Não há outra forma de ser, exceto quando você não tem escolha. Mas isso não quer dizer que todos os caminhos são iguais. Nesse caso, devo admitir que Raul Seixas estava errado quando falava com seu amigo Pedro. Todos os caminhos não são iguais, por que cada tradição tem objetivos específicos e para objetivos específicos há métodos específicos. Você não deveria usar um martelo para pregar um parafuso.

Um problema comum na prática de meditação, por exemplo, é alguns praticantes de aplicativos praticarem meditações de tradições transcendentalistas cujo foco principal é o desenvolvimento espiritual de renunciantes (monges, swamis, etc) quando na verdade estão buscando algo para viverem melhor suas vidas e não para abandonar a vida prática. Isso pode dar um nó na cabeça, principalmente quando ocorrem efeitos que são considerados adversos para um pai ou mãe de família mas que para um monge ou swami é o efeito esperado. Se você se considera autodidata e não tem a quem recorrer para conversar sobre os efeitos da sua prática de meditação, o que vai fazer? Provavelmente, seu aplicativo não tem inteligência artificial para ajudar nisso.

Problemas podem surgir de pelo menos duas formas diferentes: (i) quando escolho meu caminho espiritual à la carte, mas invento minha sadhana; (ii) quando escolho práticas de caminhos espirituais diversos (self-service) e invento minha sadhana. Observe que em ambas as situações existe o “inventar a sadhana”. Sadhana é uma prática espiritual, desenvolvida dentro de tradições que tem objetivos específicos dentro daquela tradição. Quando um leigo, do alto de sua ignorância, decide escolher o mantra do mês no instagram para repetir antes de ir à missa, temos um problema. Não com a missa, mas com a mistura de sadhanas. Para que um caminho espiritual funcione adequadamente deve haver um alinhamento entre visão, prática (sadhana) e resultado.

Mesmo vivendo em uma socieade onde “o que eu acho” é mais importante do que a verdade/realidade, temos que perceber que, se você não sabe para onde está indo, pelo menos duas coisas podem acontecer: ou você não chegará a lugar algum, ou onde quer que você chegue você ficará satisfeito. Se você está caminhando na orla de João Pessoa e um amigo passa e pergunta onde você está indo e você diz estou indo à Roma. Ele vai rir de você e dizer que por ali você não vai chegar. Mas você poderá ficar chateado e dizer “eu seu o que estou sentindo, estou na direção certa”. Devemos sempre ter em mente a seguinte pergunta: “e se eu estiver errado e não souber?” É para ajudar a responder essa pergunta que existem os professores. Outro problema agravado pela popularização da Internet foi o aumento na quantidade de autodidatas. Pessoas que dizem que aprenderam a fazer algo sozinhas. Dizer que aprendeu a fazer algo sozinho é meio falacioso. Pois, se você leu algum texto ou ouviu alguém falando sobre o assunto, você não aprendeu sozinho. Mesmo que tenha sido uma revelação de algum ser sobrenatural, esse ser foi quem te falou.

Quando estamos falando de autoconhecimento, estamos falando em lidar com o ego. O ego é um bichinho muito traiçoeiro e esperto. É praticamente impossível você lidar com ele sozinho ou sem a ajuda de alguém mais experiente. Vejamos por exemplo, a prática de mantras. Nos tempos remotos, um mantra era passado para um aluno por um professor que conhecia aquele aluno, conhecia um pouco da personalidade dele, das dificuldades que ele tinha, dos pontos fortes e fracos. O professor ensinava um mantra que sabia que iria auxiliar o aluno em sua jornada. Mais que isso, o professor tinha praticado o mantra milhares de vezes.

Atualmente, tem muita gente ensinando coisas que nunca praticaram, ou por que fizeram um curso no domingo e na segunda já vai ensinar, ou por que leu um livro o mês passado e já que ensinar isso agora, sem nem ter integrado aquilo em sua vida. Hoje em dia, se você quer ganhar dinheiro fácil (como se isso fosse honestamente possível) você vai num site de vídeos online e digita “mantra para a prosperidade”.  Aí você executa simultaneamente o self-service (você quer um mantra para uma “fome” específica) e o à la carte (há vários artistas disponíveis cantando o mantra!).

As sadhanas foram criadas dentro de tradições e foram validadas pela prática de muitas pessoas durante séculos ou milênios. Por mais iluminado que você pense que é, dificilmente vai inventar algo novo em termos de abordagens espirituais e isso vai funcionar sem que seja aprimorado por gerações de praticantes. O ponto principal que devemos entender é que existe um método a ser seguido para que a sadhana funcione. Se você faz várias etapas de uma sadhana, mas do modo como lhe vem à cabeça, dificilmente você vai alcançar o objetivo. E não me venha dizer que o que vale é a intenção. Se o que vale é a intenção, então você não precisa praticar sadhana nenhuma, apenas mentalize sua intenção e veja onde você vai chegar.

A História de Sulabha: Discussão de Gênero no Mahabharata

A história de Sulabha ocorre no Mahabharata, ela foi uma sábia que venceu um debate contra o rei Janaka sobre o fato de que não existe diferença entre homens e mulheres segundo a filosofia indiana. Esse texto é uma tradução resumida to artigo “The Self Is Not Gendered: Sulabha’s Debate with King Janaka” de Ruth Vanita. Trechos em itálico são para indicar tradução literal.

Textos antigos são complicados de interpretar devido a vários motivos, por exemplo: problemas de tradução, não-entendimento do contexto em que foram escritos e uso mal-intencionado de trechos específicos. Por exemplo, no texto Manusmrti (conhecido por ser considerado um dos textos legais mais antigos da humanidade) podemos encontrar dois trechos aparentemente divergentes:

  • … os deuses residem onde as mulheres são honradas;
  •  … uma mulher nunca deveria ser independente, mas deveria estar sob a proteção do pai durante a infância, do marido durante a idade adulta e do filho durante a velhice.

Ruth Vanita argumenta que havia um debate em andamento sobre as mulheres nos textos indianos antigos e que a figura de uma mulher solteira como renunciante e intelectual desafia o “ditado” de que uma mulher deveria estar sempre sob a proteção de um homem. Vanita afirma também que as feministas tem dado muito mais atenção a aspectos irados das devis ou a mulheres  que sofreram nas histórias do que a histórias de devis como Saraswati (devi da fala, da aprendizagem e das artes) que aparece independente e sem consorte. Outra devi que não tem consorte é Vak, mencionada em um dos textos mais antigos, o Rigveda.

Sulabha é uma asceta kshatriya. Assim como Janaka, ela aparece em várias histórias (e.g., Saulabha Shakha do Rigveda Samhita, Kaushitaki Brahmana e Shanti Parva do Mahabharata) e representa a acadêmica feminina por excelência.

O debate mencionado aqui ocorre no Shanti Parva do Mahabharata e termina com o silêncio do Rei Janaka. Embora esse debate trate da relativa superioridade da ação e da renúncia como caminhos de libertação, ele também é um debate sobre gênero, especificamente: se uma mulher pode ser autônoma,  pode ser igual ou superior a um homem intelectualmente e pode atingir a libertação independentemente. O argumento básico usado por Sulabha é que Atman tem gênero neutro em sânscrito (nomes em sânscrito podem ter um de três gêneros: masculino, feminino ou neutro).

A história de Sulabha surge como resposta a uma pergunta de Yuddhishthira para Bhishma. A pergunta foi: é possível  obter a libertação sem abandonar a vida doméstica?

Sulabha era uma renunciante andarilha que soube da fama do rei Janaka e decidiu testá-lo. Se apresentou no palácio e depois de algumas conversas entrou em debate. Um dos argumentos do rei Janaka era de que ele era superior a Sulabha por ela ser mulher. O rei Janaka tenta demonstrar seu argumento apelando para noções convencionais sobre papéis de gêneros. Seu tom de bullying e sua atitudade masculinista para com Sulabha parecem bastante inapropriados para uma pessoa que clama ser desapegada do mundo e portanto de preconceitos sociais. O rei Janaka argumenta que por ela ser mulher, bonita e delicada seria incapaz de superar seus desejos por prazeres sexuais e sensuais.

Dentre os argumentos de Sulabha destacam-se:

  • Entender a si mesmo como diferente dos outros seres é falta de sabedoria;
  • Como a identidade está em fluxo, ela não pode ser fixada ou possuída. Esse argumento demonstra que a diferenças sexual não é uma diferença essencial;
  • Sulabha declara que seu corpo é diferente do corpo de Janaka mas não há diferença entre seu Atman e o Atman dele ou o Atman de qualquer outra pessoa;

A vitória de Sulabha no debate justifica suas próprias escolhas na vida (não casar, vagar pelo mundo sozinha, buscar libertação pelo mesmo caminho que os homens) e sua ações (entrar em debate público com um homem famoso). Quando focamos nos debates dinâmicos em relação a gênero que floresceram nos textos indianos antigos ajudamos a combater o estereótipo desses textos como monoliticamente justificando a subordinação das mulheres ou monoliticamente honrando os homens.