Categoria: Tantra
Tradução – Virupakshasika Capítulo 2 Verso 9
Tradução do verso 2.9 e do bhashya deste verso feito por Vidyacakravartin. Tradução baseada no texto de David Peter Lawrence.
Esta tradução tomou como base a tradução disponível no livro The Teachings of the Odd-Eyed One: A Study and Translation of the Virupaksapancasika, with the Commentary of Vidyacakravartin . Em vários aspectos a tradução que eu estou disponibilizando aqui difere da apresentada no livro. Provavelmente, pela falta de experiência minha em traduções do sânscrito. A minha principal intenção é apontar o significado das palavras que compõem o verso e o Bhashya e em alguns casos apontar aspectos gramaticais.
प्रत्यवमर्शात्मासौ चितिः स्वरसवाहिनी परा वाग् या । आद्यन्तप्रत्याहृतवर्णगणा सत्यहन्ता सा ॥९॥
pratyavamarśātmāsau citiḥ svarasavāhinī parā vāg yā । ādyantapratyāhṛtavarṇagaṇā satyahantā sā ॥9॥
Essa (असौ) consciência [चितिः] [é] [a] natureza (आत्मा) da deliberação sobre si (प्रत्यवमर्श), [é] a fala [वाक्] suprema [परा], fluindo [वाहिनी] em sua própria essência (स्वरस), que (या) [está] contida (प्रत्याहृत) no grupo (गणा) de fonemas (वर्ण) do primeiro ao último. Esta (सा) [é] em realidade (सति) a subjetividade/eu-dade (अहन्ता).
Detalhes da tradução do verso
प्रत्यवमर्शात्मासौ = ( प्रत्यवमर्श आत्मा TP6) असौ
प्रत्यवमर्श = reflexão; contemplação, deliberação
आत्मा = ātmā: m1s: ātman = essence, nature, character
असौ = asau: f1s: adas = aquela, essa
चितिः = citis: f1s: citi = consciência, mente, intelecto
स्वरसवाहिनी = ( स्वरस वाहिनी TP7) = fluindo em sua própria essência
स्वरस = essência própria
वाहिनी = vāhinī: f1s: vāhin = fluxo, fluindo
परा = parA = suprema
वाग् = वाक् => fala
या = pronome relativo feminino nominativo singular = que, quem
आद्यन्तप्रत्याहृतवर्णगणा = आद्यन्त प्रत्याहृत वर्ण गणा
आद्यन्त = primeiro e último
प्रत्याहृत = contido
वर्ण = letra, fonema
गणा = f1s: gaṇa = grupo
सत्यहन्ता = सति अहन्ता =
सति = sati: m7s: sat = em realidade, na verdade
अहन्ता = f1s = estado de ser eu, eu-dade, subjetividade
सा = pron. demonstrativo f1s = esta
Bhashya
प्रत्यवमर्शात्मा विमर्शस्वभावा । असौ सर्वस्यैव स्वानुभवसिद्वत्वाद् असावित्यध्यक्षतया निर्देष्टुमुचिता । चितिः विगलितचेत्योपरागा चेतनस्य स्वरूपेणावस्थितिः । स्वरसवाहिनी निरोधकाभावादनिशं स्फुरद्रूपा । सा विमर्शमयत्वाद् वाक् । तत्रापि स्वरूपज्योतिष्ट्वेनैव प्रकाशनात् स्वरूपव्यतिरिक्तपस्यन्त्यादिरूपा नेयम् , अपि तु परैव, यदागमः – स्वरूपज्योतिरेवान्तः सूक्ष्मा वागनपायिनी इति । शुद्धवाग्रूपत्वाद् येयं वर्णात्मिका , सा प्रत्याहारयुक्त्या गृहीताभ्यामकारहकाराब्यामहन्तेति निरुच्यते , न पुनरहामिति प्रतियमानतयैवेयमहन्ता
Essa (असौ) [é] [a] natureza (आत्मा) da deliberação sobre si (प्रत्यवमर्श) significa [que tem] a natureza da deliberação. Essa (असौ) [significa] [a] agradável definição pelo perceptível devido a ter realizado o entendimento de si própria e portanto de tudo. Consciência (चितिः) significa dissolvida, [o] desejo de fazer brilhar e estabelecida pela própria natureza da consciência. A afirmação “ fluindo [वाहिनी] em sua própria essência (स्वरस)” significa [a] forma da existência do obstrutor [que] vibra incessantemente. Esta (सा) significa [a] fala [é] constituída por introspecção.
Portanto, também nesse caso, pelo estado de ser a dispersão do brilho da própria natureza a partir do iluminante, [ela é a] primeira aparência [para os] que enxergam além da própria natureza. E, também, não [é] esta então suprema quando se afastando – [a] luz da própria forma portanto [é o] fim sutil inseparável da fala.
Esta que devido à fala pura [é] composta de fonemas, ela pela união na dissolução é terminada por ha [e] entendida por A [e] HA, não é expressa, nem [é] novamente “Eu”. Então esta subjetividade [é] pacificada por restaurar(-se)
Detalhes da tradução
प्रत्यवमर्शात्मा विमर्शस्वभावा ।
प्रत्यवमर्शात्मा significa a natureza da deliberação
प्रत्यवमर्शात्मा is विमर्शस्वभावा =
विमर्शस्वभावा = विमर्श स्वभावा TP6 = [a] natureza da deliberação
विमर्श = reflexão, consideração, deliberação
स्वभावा = f1s = natureza, condição própria, estado de ser
असौ सर्वस्यैव स्वानुभवसिद्वत्वाद् असावित्यध्यक्षतया निर्देष्टुमुचिता ।
असौ = सर्वस्यैव स्वानुभवसिद्वत्वाद् असावित्यध्यक्षतया निर्देष्टुमुचिता = essa [significa] devido a ter realizado o entendimento de si própria e portanto de tudo, [a] agradável definição pelo perceptível.
सर्वस्यैव = सर्वस्य एव = portanto de todos/tudo
स्वानुभवसिद्वत्वाद् => ( ( स्व अनुभव ) सिद्वत्वात् TP6) = devido a ter realizado a percepção de si
स्व = próprio
अनुभव = percepção, entendimento
सिद्धत्वात् = n5s = devido a ter alcançado/realizado
असावित्यध्यक्षतया = असावित् अध्यक्षतया
असाविति = असौ इति =
असौ = f1s: adas = essa
इति = “”
अध्यक्षतया = f3s ppp: pelo perceptível
निर्देष्टुमुचिता = निर्देष्टुम् उचिता = [a] agradável definição
निर्देष्टुम् = infinitivo de निर्देष् = definir, guiar
उचिता = ucitā: f1s ppp : ucita = prazeroso, agradável
चितिः विगलितचेत्योपरागा चेतनस्य स्वरूपेणावस्थितिः ।
चितिः significa विगलितचेत्योपरागा चेतनस्य स्वरूपेणावस्थितिः = dissolvida, [o] desejo de fazer brilhar e estabelecida pela própria natureza da consciência
विगलितचेत्योपरागा = विगलित च इति ओप रागा
विगलित च इति ओपरागा =
विगलित = esvaziado, secado, dissolvido
च = e
इति = “”
ओप = fazer brilhar, polir
रागा = f1s = paixão, desejo
चेतनस्य => 6s = da consciência
स्वरूपेणावस्थितिः = स्वरूपेण अवस्थितिः = estabelecida pela própria natureza
स्वरूपेण = pela própria natureza
अवस्थितिः = f1s: avasthiti = situada, estabelecida
स्वरसवाहिनी निरोधकाभावादनिशं स्फुरद्रूपा ।
स्वरसवाहिनी significa निरोधकाभावादनिशं स्फुरद्रूपा = [a] forma da existência do obstrutor [que] vibra incessantemente
निरोधकाभावादनिशं स्फुरद्रूपा = निरोधक अभावत् अनिशम् = incessantemente desde a existência do impedidor
निरोधका = 6s = obstrutor, confinador, impedidor
भावात् = 5s = do ser, da existência
अनिशम् = indec. = incesantemente, continuamente
स्फुरद्रूपा = स्फुरत् रूपा = [a] forma [que] vibra
स्फुरत् = que treme, tremendo, que vibra
रूपा = f1s = forma
सा विमर्शमयत्वाद् वाक् ।
सा significa विमर्शमयत्वाद् वाक् = [a] fala [é] constituída por introspecção
विमर्शमयत्वाद् वाक् = (विमर्शम् अयत्वात् TP6) वाक् =
विमर्शम् = m2s = reflexão, introspecção
अयत्वात् = 5s desde ser constituída
वाक् = fala
तत्रापि स्वरूपज्योतिष्ट्वेनैव प्रकाशनात् स्वरूपव्यतिरिक्तपस्यन्त्यादिरूपा नेयम् , अपि तु परैव, यदागमः – स्वरूपज्योतिरेवान्तः सूक्ष्मा वागनपायिनी इति ।
Portanto, também nesse caso, pelo estado de ser a dispersão do brilho da própria natureza a partir do iluminante, [ela é a] primeira aparência [para os] que enxergam além da própria natureza. E, também, não [é] esta então suprema quando se afastando – [a] luz da própria forma portanto [é o] fim sutil inseparável da fala.
तत्रापि = तत्र अपि =
तत्र = lá, nesse caso
अपि = também
स्वरूपज्योतिष्ट्वेनैव = ( स्वरूप ज्योतिष्ट्वेन 3s, TP6) एव = portanto pelo estado de ser a dispersão do brilho da própria natureza
स्वरूप = própria natureza
ज्योतिष्ट्वेन = 3s = pelo estado de ser a dispersão do brilho
एव = portanto
प्रकाशनात् = n5s = desde o iluminante
स्वरूपव्यतिरिक्तपश्यन्त्यादिरूपा = स्वरूप व्यतिरिक्त पश्यन्ति आदिरूपा = primeira aparência [para os] que enxergam além da própria natureza
स्वरूप = própria natureza
व्यतिरिक्त = indo além, excessivo, imoderado
पश्यन्ति = n1/2p = que veem/enxergam
आदिरूपा = f1s = primeira aparência
नेयम् = न इयम् =
न = não
इयम् = f1s इदम् = esta
अपि => também
तु => e, mas
परैव => परा एव =
परा = suprema
एव = portanto, então
यदागमः = यदा गमः =
यदा = quando, sempre que
गमः = se afastando
स्वरूपज्योतिरेवान्तः = स्वरूप ज्योतिः एव अन्तः = [a] luz da própria forma portanto é o fim
स्वरूप = própria forma
ज्योतिः = m1s = luz
एव = portanto, então
अन्तः = m1s = fim, limite
सूक्ष्मा = f1s = sutil
वागनपायिनी = (वाग् अनपायिनी TP6) = inseparável da fala
वाग् = fala
अनपायिनी = inseparável
इति = “”
शुद्धवाग्रूपत्वाद् येयं वर्णात्मिका , सा प्रत्याहारयुक्त्या गृहीताभ्यामकारहकाराब्यामहन्तेति निरुच्यते , न पुनरहामिति प्रतियमानतयैवेयमहन्ता
Esta que devido à fala pura [é] composta de fonemas, ela pela união na dissolução é terminada por ha [e] entendida por A [e] HA, não é expressa, nem [é] novamente “Eu”. Então esta subjetividade [é] pacificada por restaurar(-se)
शुद्धवाग्रूपत्वाद् = शुद्ध वाग् रूपत्वात्
येयं = येयम् = या इयम् =
या = pron. relativo que
इयम् = f1s इदम् = esta
वर्णात्मिका =वर्ण आत्मिका
वर्ण = letra, fonema
आत्मिका = f1s = composta de fonemas
सा = essa, a, aquela
प्रत्याहारयुक्त्या =प्रत्याहार युक्त्या = pela união com/da dissolução
प्रत्याहार = m = reabsorção, dissolução
युक्त्या = f3s: yukti = união, junção conexão
गृहीताभ्यामकारहकाराभ्यामहन्तेति = गृहीताभ्याम् ( अकार हकाराभ्याम् DVD) अहन्त इति = é terminada por ha [e] entendida por A [e] HA
गृहीताभ्याम् = ppp 3d = pelas as duas recebidas, aceitas, obtidas, entendidas
अकार हकाराभ्याम् = por/com A [e] HA
अहन्त = terminando com HA
इति = “”
निरुच्यते = não expressa
न = não
पुनरहामिति = पुनः अहाम् इति
प्रतियमानतयैवेयमहन्ता = प्रतियम् आनत एव इयम् अहन्ता = então esta subjetividade [é] pacificada por restaurar(-se)
प्रतियम् = restaurar, retornar, é equivalente
आनत = obediente, pacificada
एव = portanto, então
इयम् = f1s इदम् = esta
अहन्ता = f1s = subjetividade, eu-dade
Espiritualidade, à la carte ou self-service?
O risco de querermos inventar nosso caminho espiritual.
Houve um tempo em que alguém que quisesse aprender sobre Yoga (ásanas, ascese, pranayama, etc), meditação, Vedanta, Rituais ou qualquer assunto relacionado à espiritualidade deveria procurar por alguém que reconhecidamente era um professor daquele assunto. Veja que enfatizei a palavra reconhecidamente. O reconhecimento de que alguém era um professor de assuntos espirituais vinha de pelo menos duas origens: (i) de uma linhagem de mestres-díscipulos da qual o professor reconhecido fazia parte; (ii) de uma comunidade que estava em volta daquele professor, estudava com, punha em prática seus ensinamentos e os validava em sua vida.
Como muitos desses professores reconhecidos não tinha o ensino do autoconhecimento como uma profissão, mas como parte da sua vida, eles não divulgavam aos quatro ventos que estavam ensinando esses assuntos e que estavam à procura de alunos. Então, pra começo de conversa era meio complicado de achar alguns professores. Em segundo lugar, não bastava chegar ao professor e dizer que queria estudar com ele, você deveria mostrar-se merecedor do conhecimento.
O tempo passou, algumas tradições morreram de morte natural ou foram atacadas por outras tradições e destruídas. Alguns professores, por medo de que o conhecimento morresse com eles pediram para seguidores anotarem seus ensinamentos. Outros professores, simplesmente escreveram os ensinamentos ou comentários sobre os ensinamentos. Além disso, as tecnologias evoluíram permitindo que os textos fossem reproduzidos digitalmente favorecendo a propagação e divulgação dos assuntos espirituais.
Com a popularização da Internet, ficou muito fácil de encontrar textos sobre praticamente qualquer assunto “dito espiritual”. Melhor/Pior que isso, ficou muito fácil acessar “ensinamentos” de “mestres” espirituais via vídeos e áudios. Veja a quantidade de aspas que usei nas sentenças anteriores. Só por que os textos estão disponíveis facilmente não quer dizer que sua leitura ou estudo serão benéficos para qualquer pessoa em qualquer estágio de sua vida. Outro fator complicador é que os textos tradicionais estão escritos em sânscrito. A maioria deles não tem tradução. Por mais que os acadêmicos se esforcem para criar traduções “neutras” sem viés de linhagem, isso não é possível (na minha humilde opinião). A questão da tradução é ainda mais grave, devido a existirem muitas traduções péssimas de vários textos em sânscrito.
É evidente que o primeiro passo de qualquer pessoa hoje ao buscar conhecimentos sobre espiritualidade é fazer uma pesquisa na Internet. Essa possibilidade é uma bênção, não há como negar. Também é evidente que as primeiras tradições com as quais nos conectamos o fazemos por afinidade. (Uma amiga anarquista foi quem me fez perceber isso). E essa conexão por afinidade é similar a escolha de uma comida em um cardápio. Ou seja, à la carte. Não há outra forma de ser, exceto quando você não tem escolha. Mas isso não quer dizer que todos os caminhos são iguais. Nesse caso, devo admitir que Raul Seixas estava errado quando falava com seu amigo Pedro. Todos os caminhos não são iguais, por que cada tradição tem objetivos específicos e para objetivos específicos há métodos específicos. Você não deveria usar um martelo para pregar um parafuso.
Um problema comum na prática de meditação, por exemplo, é alguns praticantes de aplicativos praticarem meditações de tradições transcendentalistas cujo foco principal é o desenvolvimento espiritual de renunciantes (monges, swamis, etc) quando na verdade estão buscando algo para viverem melhor suas vidas e não para abandonar a vida prática. Isso pode dar um nó na cabeça, principalmente quando ocorrem efeitos que são considerados adversos para um pai ou mãe de família mas que para um monge ou swami é o efeito esperado. Se você se considera autodidata e não tem a quem recorrer para conversar sobre os efeitos da sua prática de meditação, o que vai fazer? Provavelmente, seu aplicativo não tem inteligência artificial para ajudar nisso.
Problemas podem surgir de pelo menos duas formas diferentes: (i) quando escolho meu caminho espiritual à la carte, mas invento minha sadhana; (ii) quando escolho práticas de caminhos espirituais diversos (self-service) e invento minha sadhana. Observe que em ambas as situações existe o “inventar a sadhana”. Sadhana é uma prática espiritual, desenvolvida dentro de tradições que tem objetivos específicos dentro daquela tradição. Quando um leigo, do alto de sua ignorância, decide escolher o mantra do mês no instagram para repetir antes de ir à missa, temos um problema. Não com a missa, mas com a mistura de sadhanas. Para que um caminho espiritual funcione adequadamente deve haver um alinhamento entre visão, prática (sadhana) e resultado.
Mesmo vivendo em uma socieade onde “o que eu acho” é mais importante do que a verdade/realidade, temos que perceber que, se você não sabe para onde está indo, pelo menos duas coisas podem acontecer: ou você não chegará a lugar algum, ou onde quer que você chegue você ficará satisfeito. Se você está caminhando na orla de João Pessoa e um amigo passa e pergunta onde você está indo e você diz estou indo à Roma. Ele vai rir de você e dizer que por ali você não vai chegar. Mas você poderá ficar chateado e dizer “eu seu o que estou sentindo, estou na direção certa”. Devemos sempre ter em mente a seguinte pergunta: “e se eu estiver errado e não souber?” É para ajudar a responder essa pergunta que existem os professores. Outro problema agravado pela popularização da Internet foi o aumento na quantidade de autodidatas. Pessoas que dizem que aprenderam a fazer algo sozinhas. Dizer que aprendeu a fazer algo sozinho é meio falacioso. Pois, se você leu algum texto ou ouviu alguém falando sobre o assunto, você não aprendeu sozinho. Mesmo que tenha sido uma revelação de algum ser sobrenatural, esse ser foi quem te falou.
Quando estamos falando de autoconhecimento, estamos falando em lidar com o ego. O ego é um bichinho muito traiçoeiro e esperto. É praticamente impossível você lidar com ele sozinho ou sem a ajuda de alguém mais experiente. Vejamos por exemplo, a prática de mantras. Nos tempos remotos, um mantra era passado para um aluno por um professor que conhecia aquele aluno, conhecia um pouco da personalidade dele, das dificuldades que ele tinha, dos pontos fortes e fracos. O professor ensinava um mantra que sabia que iria auxiliar o aluno em sua jornada. Mais que isso, o professor tinha praticado o mantra milhares de vezes.
Atualmente, tem muita gente ensinando coisas que nunca praticaram, ou por que fizeram um curso no domingo e na segunda já vai ensinar, ou por que leu um livro o mês passado e já que ensinar isso agora, sem nem ter integrado aquilo em sua vida. Hoje em dia, se você quer ganhar dinheiro fácil (como se isso fosse honestamente possível) você vai num site de vídeos online e digita “mantra para a prosperidade”. Aí você executa simultaneamente o self-service (você quer um mantra para uma “fome” específica) e o à la carte (há vários artistas disponíveis cantando o mantra!).
As sadhanas foram criadas dentro de tradições e foram validadas pela prática de muitas pessoas durante séculos ou milênios. Por mais iluminado que você pense que é, dificilmente vai inventar algo novo em termos de abordagens espirituais e isso vai funcionar sem que seja aprimorado por gerações de praticantes. O ponto principal que devemos entender é que existe um método a ser seguido para que a sadhana funcione. Se você faz várias etapas de uma sadhana, mas do modo como lhe vem à cabeça, dificilmente você vai alcançar o objetivo. E não me venha dizer que o que vale é a intenção. Se o que vale é a intenção, então você não precisa praticar sadhana nenhuma, apenas mentalize sua intenção e veja onde você vai chegar.
Yoga, Engajamento Social e Política
Por mais ilusório que você pense que o mundo é, para aqueles que estão sofrendo o sofrimento é “real”.
Como tenho notado muito barulho em torno do tema desse texto, resolvi escrever um pouco sobre o assunto. Muitas pessoas envolvidas com Yoga podem se questionar sobre até que ponto um Yogi deveria se envolver com ativismos. Não existe uma resposta final e objetiva para essa pergunta, mas vou apontar alguns aspectos que tenho observado.
Se formos considerar as tradições que se apóiam principalmente no Yoga Sutra de Patanjali, na Bhagavad Gita e em textos chamados Tantras, dificilmente será encontrada alguma menção explícita de dever em relação a engajamento em ativismos. Vejamos, por exemplo, o Yoga Sutra trata especificamente de uma forma de Yoga transcendentalista dirigida para renunciantes e cujo objetivo final é o isolamento. Isolamento, em termos espirituais isolamento da Prakrti e em termos materiais isolamento social. Então, por que alguém iria esperar alguma sugestão de envolvimento social vinda do Yoga Sutra? Seria até injusto com o texto esperar isso.
Algumas pessoas podem argumentar em torno da Bhagavad Gita para falar de uma suposta obrigação de envolvimento político. Provavelmente, essa pessoa não conhece muito bem o Mahabharata, que é o texto ao qual a Bhagavad Gita pertence. No Mahabharata é evidente que todo o confronto de Pandavas e Kauravas é motivo principalmente por questões pessoais entre os familiares. Quando os Pandavas decidem lutar não é para “salvar o mundo da corrupção Kaurava”, mas sim por questões de Dharma Pessoal.
Talvez um alento para aqueles de mentalidade ativista venha do que se conhece sobre o modo de vida das comunidades tântricas, especialmente aquelas não-dualistas. Sabe-se que as comunidades tântricas não-dualistas eram bastante radicais, em termos sociais, para seu tempo por dois aspectos principais: não haver distinção de castas e não haver distinção de gênero em termos hierárquicos. Alguns professores mencionam que, naquelas comunidades, a simples menção a algum tipo de hierarquia por casta ou gênero seria motivo para expulsão da comunidade. No entanto, o que poucos percebem é que essas regras igualitárias eram consideradas apenas dentro da comunidade espiritual, não havia nenhum esforço ou tentativa de impor essa “igualdade” na comunidade externa. Esse igualitarismo na comunidade espiritual decorria do entendimento não-dualista de que todos somos a mesma consciência.
Algumas pessoas ainda tentam trazer a imagem das divindades femininas como símbolos de feminismo. Essa uma tentativa perigosa, sobre a qual sugiro a leitura deste texto. No texto do link, a autora levanta mais questionamentos antes de responder se as deusas indianas são feministas. Uma pergunta que ela faz é: Quem pergunta sobre feminismo? Por que pergunta? Com qual intenção? Sugiro que o leitor investigue um pouco sobre a influência da política nacionalista indiana na propagação dos yogásanas, por exemplo. Será que não estariam tentando fazer algo parecido com as devis? Se olharmos para o texto Devi Mahatmya, veremos que as deusas surgem a partir da energia vital (ou representam a energia vital) dos deuses. E elas veem para resolver questões “pessoais” dos devas que eles sozinhos não estavam sendo capazes de resolver. É claro que estou apresentando aqui uma versão bem literal de interpretação sem muito misticismo ou psicologização (o que tem sido muito comum recentemente).
Porém, as ideias apresentadas nos parágrafos anteriores não servem como argumento para sugerir que um Yogi não deveria se envolver com lutas sociais ou políticas. Na verdade, nesse aspecto creio que não existam deveres ou obrigações. Mas se pensarmos em termos de bom senso, faz sentido que uma pessoa que trilha o caminho espiritual há algum tempo fique indignado diante de situações injustas e queira atuar de alguma forma para a construção de um mundo melhor. O que não faz sentido é querer argumentar a favor de ativismos utilizando textos que são claramente focados em renúncia radical ou em dharma pessoal. Mas se você sabe que seu dharma pessoal é se envolver com tais questões, siga em frente.
Por mais ilusório que você pense que o mundo é, para aqueles que estão sofrendo o sofrimento é “real”.
Propriedades do Fluxo Mental – Aflições mentais segundo o Yoga.
Breve conversa sobre as “cores” dos pensamentos, ou propriedades do fluxo mental segundo o Yoga.
Yoga, Pensamentos e Condicionamentos – Vikalpas e Samskaras
Breve conversa sobre Yoga, pensamentos, condicionamentos, vícios e hábitos.
Você já esteve em Yoga e (provavelmente) não sabe
Conversa sobre estados de Yoga.
Curso: Viver em Yoga
Atualmente, é comum o Yoga ser divulgado como uma prática dividida em exercícios físicos, meditação, respiração, etc. Com essa visão, o praticante pode ser levado a pensar que o Yoga se pratica apenas quando está em seu tapetinho de ásana ou está sentado em sua almofada de meditação. Isso pode causar problemas de entendimento, levando o praticante a se tornar uma pessoa desintegrada, incapaz de associar os benefícios recebidos durante as práticas com a sua vida fora da aula de Yoga. Neste curso, serão abordados temas fundamentais para que o praticante de Yoga possa integrar sua prática à sua vida. O objetivo deste curso é trazer ensinamentos e técnicas que se praticadas adequadamente levarão o praticante a experimentar Uma Vida em Yoga.
Ementa. O problema fundamental do sofrimento humano; Tattvas e meditações associadas; Introdução aos Yoga Sutras de Patanjali; Introdução à Meditação Tântrica. Como integrar os ensinamentos do Yoga à sua vida pessoal.
Textos que serão usados como base: Yoga Sutras de Patanjali; Samkhya Karika; Tripura Rahasya; Vijnana Bhairava Tantra; Svabodha Manjari.
Modo de Funcionamento. Aulas online, uma vez por semana com duração de uma hora. As aulas ficarão gravadas por uma semana. A cada semana serão passadas atividades práticas/teóricas para os participantes realizarem e discutirem os resultados na aula seguinte. Serão disponibilizados áudios com meditações guiadas. Serão disponibilizados materiais em PDF sobre os temas abordados. Haverá 2 retiros em fins de semana a serem combinados, online ou presencial (a ser definido).
Início. Fevereiro de 2021.
Duração. 40 semanas.
Sobre o professor. Eanes Torres é praticante de Yoga/Meditação há mais de 13 anos. Fez o curso de formação de professor de Yoga com a equipe Shri Yoga Devi. É aluno do Instituto Vishva Vidya (Vedanta, Sânscrito e Mantras) desde 2015. Tem feito vários cursos e treinamentos sobre Tantra com o professor Hareesh Wallis.
As vagas são limitadas, para reservar a sua vaga você deve fazer a transferência do valor da inscrição (216 reais) até o dia 20 de janeiro de 2021. Entre em contato pelo e-mail ciencia.contemplativa.cg@gmail.com para obter mais detalhes.
Por que Grupos de Estudo de Espiritualidade Indiana são um Beco sem Saída
Por que não se estuda tradição védica como se estuda história e matemática. Pelo menos, não se você quer alcançar o objetivo proposto pela tradição.
Uma das formas de se estudar assuntos do colégio ou da universidade é por meio de grupos de estudo. Em grupos de estudo, nos unimos com pessoas que têm interesses comuns de aprender determinado assunto, utilizamos livros de autores diferentes e buscamos, por meio da discussão de pontos de vista diferentes, entender um assunto.
Grupos de estudos podem ser ótimos para aprender matemática, por exemplo. Pois na matemática, na maioria das vezes, existe uma solução exata para os problemas. O que poderia variar é o modo como chegamos a essa solução exata. Grupos de estudos são ótimos também para outras áreas como história, geografia, português, etc.
No entanto, não necessariamente essa estratégia de estudos vai funcionar para temas de autoconhecimento. Por exemplo, digamos que três amigos (João, Marcos e Mateus) desejam estudar sobre a espiritualidade do Yoga. Após fazerem algumas buscas na Internet, chegam à conclusão de que dois textos muito populares da espiritualidade yogui são os Yoga Sutras e a Bhagavad Gita.
O processo natural para se estudar um tema acadêmico laico, seria comprar livros sobre o tema, estudar esses livros, caso haja divergência entre os autores comparar as opiniões e, em seguida, tirar as suas próprias conclusões. É absolutamente normal que uma pessoa que estudou um pouco na escola ou na universidade queira repetir esse padrão de estudo com temas relacionados à tradição védica.
Mas, infelizmente, trago-lhe a notícia de que empregar a mesma abordagem que você emprega para estudar matemática ou geografia não vai dar certo com temas relacionados à tradição védica, por vários motivos. Vou comentar sobre alguns a seguir. Também quero deixar claro que estou incluindo no pacote tradição védica: yoga, tantra, mantra, vedanta, ayurveda, astrologia védica, etc.
Pode-se dizer que a tradição védica tem como um de seus objetivos primordiais conduzir o indivíduo à libertação. Ou, em outras palavras, levar o indivíduo a reconhecer sua liberdade. Aqui já começa a confusão, pois os estudantes que empregam a abordagem acadêmica vão querer comparar esse conceito de indivíduo com o que a psicologia ou psiquiatria chama de indivíduo. Não vou entrar por aí, tentando diferenciar. Basta dizer que são coisas diferentes.
Sabendo que o objetivo é levar o indivíduo a reconhecer sua liberdade e que há em nós algo (que por falta de uma palavra melhor vou chamar de ego) que atua boicotando esse reconhecimento da liberdade, temos o primeiro pressuposto que nega a possibilidade de alguém reconhecer essa liberdade sozinho sem o auxílio de alguém mais experiente ou de um professor (que já tenham pelo menos vislumbrado sua própria liberdade).
Agora, voltemos ao grupo de três amigos que compraram livros para estudar Yoga. Suponha que eles tenham comprado livros sobre o Yoga Sutra de três autores. Vou usar como exemplo a tradução do verso 15 do pada 1 de três autores diferentes:
- Tradução de Lilian Cristina Gulmini na Dissertação de Mestrado (O YOGAS SUTRA, DE PATAÑJALI Tradução e análise da obra, à luz de seus fundamentos contextuais, intertextuais e lingüísticos): Desapego é o discernimento sob comando daquele que está livre da sede do domínio objetivo das coisas vistas e ouvidas por tradição.
- Tradução de Glória Arieira no livro O Yoga que Conduz à Plenitude: O desapego é chamado de domínio de quem é livre de desejo por objeto visto ou escutado.
- Tradução de Gabriel Pradipika disponível em seu site: Vairāgya ou Renúncia (vairāgyam) se conhece (sañjñā) como o ato de subjugar (vaśīkāra) o desejo (vitṛṣṇasya) com relação a objetos (viṣaya) vistos (dṛṣṭa) ou acerca dos quais se ouviu repetidamente das escrituras (ānuśravika).
Meu objetivo aqui não é discutir se uma tradução é melhor que outra, nem dizer que uma tradição é correta e outra errada. Meu objetivo aqui é comentar sobre o que passaria na mente de alguém que se intitula autodidata ao tentar estudar o Yoga Sutra a partir da discussão de traduções de três autores diferentes.
Uma das expressões mais recorrentes em grupos de estudo desse tipo é: “Eu acho que…“. Aqui temos o primeiro erro. Partindo do pressuposto de que cada tradição estabelece o entendimento correto sobre determinado tema e esse entendimento correto é passado de professor a aluno sucessivamente através das gerações de estudantes, não podemos aceitar como correto alguém dizer que seu entendimento ainda influenciado pelo ego e, por isso mesmo um achismo, seja válido.
Agora voltemos a uma possível discussão no grupo de estudos de Yoga entre os três amigos. João diz que acha que renúncia e desapego são a mesma coisa. Marcos diz que acha que são diferentes pois um tradutor diz que renúncia é subjugar o desejo e o outro autor diz que desapego é discernimento, logo como discernimento é diferente de subjugar desejo, renúncia não pode ser igual a desapego. Mateus diz que acha que há algo de estranho nas traduções 1 e 2 por que uma diz que desapego é discernimento e a outra diz que desapego é domínio.
Agora eu lhe pergunto: tem como um estudo desse tipo chegar a algum lugar? Não é raro eu ouvir pessoas falando que estão em grupos de estudos de autoconhecimento há anos e a sensação é de que não andam, que andam em círculos.
O que está faltando para esse grupo achar um rumo? Primeiro, decidir que tradição irá seguir. Pois mesmo quando falamos de tradição védica, há várias linhas de raciocínio que podem variar de professor para professor. Segundo, é necessário ter um professor. Mesmo que as pessoas não tenham acesso pessoal a um professor. É necessário buscar textos e vídeos de um mesmo professor ou de um grupo de professores que pertençam a mesma linhagem.
Se você tentar estudar autoconhecimento seguindo a tradição védica como quem estuda literatura comparada, poderá até se tornar um grande acadêmico, mas dificilmente o objetivo desse conhecimento será alcançado: o reconhecimento de sua natureza livre.
Poema Místico: Oh Mãe, Quem Realmente
Poema místico de Ramprasad traduzido para o inglês por Leonard Nathan e Clinton Seely.
Oh Mãe, quem realmente
Conhece sua magia?
Você é uma garota louca
Nos deixando todos loucos com esses truques.
Ninguém conhece mais ninguém
Num mundo de Suas ilusões.
Os truques de Kali são tão hábeis,
Nós agimos sobre o que vemos.
E qual sofrimento —
E tudo por causa de uma garota louca!
Quem sabe
O que Ela realmente é?
Ramprasad diz: Se ela decidir
Ser gentil, esta miséria passará.