Isenção de Garantia Espiritual

Texto traduzido do original:
Spiritual Disclaimer by Jed McKenna (from Spiritual Enlightenment: The Damnedest Thing)
(lightly edited by Christopher Wallis)

Advertência:

Continuando a partir deste ponto, o aspirante-a-buscador reconhece e concorda que o estado de Iluminação Espiritual discutido aqui não transmite ao buscador nenhum poder espiritual e tem pouca ou nenhuma semelhança com varieades New Age amplamente divulgadas sob o mesmo nome. Euforia orgásmica, prazer orgiástico, prosperidade obscena, saúde perfeita, paz eterna, acensão angelical, consciência cósmica, aura purificada, projeção astral, viagem pandimensional, percepção extrassensória, acesso a registros akáshicos, sabedoria profunda, comportamento sábio, continência radiante, onisciência, onipotência, onipresença e abertura do terceiro olho NÃO são possíveis de resultar. Sintonização, harmonização, balanceamento, energização, reversão ou abertura de chakras não deveriam ser esperados. A serpente kundalini habitando na base da espinha não precisa ser despertada, cutucada, estimulada, levantada ou, de outro modo, molestada.

Nenhuma promessa de autoavanço, autoestima, autoengrandecimento, autogratificação, autossatisfação ou automelhoria é feita ou implicada. Assim, pessoas autoindulgentes, autoenvolvidas, autocentradas, autoabsorvidas e egoístas não encontrarão satisfação aqui.

O leitor não deveria alimentar nenhuma garantia de recompensa, êxtase, empoderamento, libertação, salvação, enriquecimento, perdão ou repouso eterno na morada celeste. Nem elevação, alteração, transformação, transferência, transposição, transfiguração, transmutação, transcedência ou transmigração de consciência deve ser esperada.

A busca e a obtenção de Iluminação Espiritual podem implicar perda de ego, identidade, humanidade, mente, amigos, emprego, dinheiro, respeito, especificidade de tempo, solidez de espaço, aderência estrita às leis da física aceitas e razão para viver.

A Iluminação Espiritual aqui referida é um processo e um produto da vontade e da autodeterminação. Ela não requer confiança em Deus, deusa, entidades descorporificadas (angelicais ou demoníacas), gurus, swamis, videntes, sábios, homens-santos, pastores, filósofos, elfos, gnomos, duendes, fadas, criaturas pequeninas de qualquer tipo, ou em qualquer outro agente, ou agência sem autoridade própria.

O aspirante-a-buscador não tem a necessidade de quaisquer práticas espirituais ou sistemas de crenças incluindo mas não limitadas a Budismo, Cabala, Hinduísmo, Paganismo, Ocultismo, Wicca, Yoga, Tai Chi, Feng Shui, Artes Marciais, Magia ou Necromancia.

O aspirante-a-buscador não tem necessidade de qualquer assim-chamada parafernália espiritual ou New Age, bugingangas ou amuletos incluindo mas não limitados a cristais, gemas, pedras, sementes, caroços, conchas incensos, velas, aromas, sinos, gongos, badalos, altares, imagens ou ídolos. Nenhuma roupa especial, joalherias, adornos, tatuagens ou acessórios de moda são necessários nesta jornada.

O aspirante-a-buscador não se beneficia de qualquer míriade de procedimentos de iluminação e técnicas incluindo mas não limitadas a estados de transe, foco-em-vela, subjugação ao guru, ficar em uma perna só, peregrinação sobre a barriga, vôo não auxiliado, plantas medicinais, técnicas de respiração, jejum, vaguear em desertos, autoflagelação, votos de silêncio, indulgência sexual ou continência sexual.

O aspirante-a-buscador não tem necessidade de quaisquer poderes espirituais, artes ou ciências incluindo mas não limitadas a astrologia, numerologia, adivinhação, tarô ou leitura de runas, criação de mandalas, andar sobre fogo, cirurgia psíquica, escrita automática, canalização, poder da pirâmide, telepatia, clarividência, sonho lúcido, interpretação do sonho, ESP, levitação, bilocação, psicocinese ou visão remota. Além disso, truques ou façanhas tais como atirar flechas de cima de um cavalo, resistência ao frio, ser enterrado vivo, materializar cinzas ou jóias, caminhar sobre o fogo ou sobre vidro, deitar-se sobre vidro ou pregos, furar a face ou os braços, conjuração e truques de corda não tem serventia ou mérito no que diz respeito à Iluminação Espiritual discutida aqui.

A confrontação com demônios pessoais, o enfrentamento de medos profundos e o desmantelamento passo-a-passo da identidade pessoal podem resultar em elevação temporária do pulso, alta pressão arterial, perda de equilíbrio, perda de apetite, perda de sono, sudorese, inchaço ou desmaio. A perturbação emocional que acompanha a descoberta de que quem você pensava que era é simplesmente um personagem ficcional em um drama encenado pode resultar temporariamente em desamparo, raiva, hostilidade, ressentimento, desesperança, desânimo, desespero, depressão ou um consciência libertadora da insignificância da vida.

O aspirante-a-buscador está aqui advertido de que o estudo de culturas antigas ou viagens a terras distantes não traz nenhum benefício e que, para o propósito do entendimento e obtenção da Iluminação Espiritual discutida aqui, não há nenhum lugar melhor do que aqui e nenhum tempo melhor do que agora.

[Tudo o que foi dito acima pode ser resumido em uma frase: para dentro, não para fora! ~Christopher Wallis]

Yoga Virtual

Infelizmente, devido à pressa do mundo moderno, o treinamento de professores de Yoga teve que sofrer mudanças e aos poucos algumas escolas foram reduzindo as exigências para formação de professores de modo que, pasmem, não seria de admirar se fosse possível você receber certificado de professor de Yoga sem nunca ter feito um ásana no curso de formação.

Antes de mais nada: Yoga não é ásana! Yoga não é ginástica! Yoga não é exercício físico! Mas: Yoga tem ásana! Yoga tem ginástica! Yoga tem exercício físico!

O Yoga pode ser definido de várias formas, a definição clássica de Patanjali diz que “Yoga é a cessação das atividades da mente”. Na Bhagavad Gita há várias outras definições, por exemplo: “Yoga é ação habilidosa”. Observe que em nenhuma das duas definições se diz que Yoga é ginástica. Porém, deve-se deixar bem claro que o Yogui deve ter uma boa capacidade física e que há várias técnicas yóguicas (por exemplo, ásanas e kriyas) que trabalham a capacidade física do yogui.

Antes de entrarmos no tema principal, vale a pena diferenciar dois aspectos importantes do yoga:

  • Yoga-darshana: aspectos teórico-filosóficos do yoga, ou seja, a visão do yoga.
  • Yoga-sadhana: o que se faz como Yoga, a prática em si mesma.

Infelizmente, devido à pressa do mundo moderno, o treinamento de professores de Yoga teve que sofrer mudanças e aos poucos algumas escolas foram reduzindo as exigências para formação de professores de modo que, pasmem, não seria de admirar se fosse possível você receber certificado de professor de Yoga sem nunca ter feito um ásana no curso de formação.

O conhecimento tradicional aos poucos vai se adaptando às mudanças impostas pelo tempo e às características culturais das novas sociedades por onde vai se disseminando. Isso não poderia ser diferente para o Yoga. Hoje é fácil encontrar milhares de vídeos na Internet “ensinando” sequências de ásanas ou tutoriais com imagens detalhando as posturas. Ótimo! Excelente! Que maravilha que esse conhecimento está sendo divulgado!

Porém, deveríamos nos questionar: para quem esse conhecimento é adequado? Outro fator que devemos nos lembrar é: o que quer dizer transmissão tradicional de conhecimento? Em primeiro lugar, o fato do conhecimento está sendo transmitido virtualmente pela Internet ou por livros não quer dizer que ele não esteja sendo transmitido de modo tradicional. Nas tradições yóguicas, duas perguntas fundamentais para checar o “pedigree” de alguém que pretende ser professor são:

    • Quem é ou foi o seu professor?
    • Quanto tempo você estudou com ele?

Existem pessoas que sabendo da importância dessas duas perguntas, se matriculam em algum curso com um professor famoso passam alguns meses e desistem. Depois usam o nome daquele professor dizendo “Comecei os estudos com o professor XXX em 20YY”. Mas será que terminou os estudos?

Agora, diante dessas duas perguntas voltemos à situação de alguém que pretende ser professor de Yoga estudando de modo autodidata por livros e vídeos online. Perceba que há pelo menos um erro nessa situação: como alguém pode se autointitular autodidata se estuda o trabalho de outros professores ou vê vídeos de outros professores? Claro que essa pessoa não é autodidata. Uma característica básica de um autodidata é ele ser capaz de intuir o conhecimento sem o auxílio de um professor. Algo raro nos dias de hoje, em que tudo se copia.

Agora, voltemos para a situação daquele que quer ser professor de Yoga. Uma coisa muito comum em estúdios de Yoga é perceber como há uma grande quantidade de pessoas com problemas de coordenação motora (e não precisa ser idoso, há muitos jovens descordenados por aí) e até mesmo com leve dislexia a ponto de não saber diferenciar o que é esquerda do que é direita. Imagine uma pessoa que nunca na vida teve uma aula de Yoga presencial tentando aprender isso por vídeos ou por imagens. Todas as pessoas que já foram a uma aula de Yoga decente sabem que uma das tarefas fundamentais de qualquer professor de Yoga é ajustar a postura do aluno, indicar pra ele o lado correto do corpo, indicar a região do corpo onde ele deve sentir melhor a ação do ásana, etc. Quando começamos a considerar todos esses aspectos, talvez torne-se impossível conceber a possibilidade de alguém que nunca praticou Yoga se tornar um professor por meio de um curso 100% online. Não precisa ser um gênio para perceber isso. Além disso, que argumentos um professor formado virtualmente terá para convencer pessoas a serem seus alunos, quando essas mesmas pessoas podem aprender Yoga vendo vídeos online. Seria, no mínimo, hilária essa tentativa de convencimento.

Isso não quer dizer que o conhecimento de Yoga não possa ser transmitido online. É aqui que voltamos a duas definições dadas anteriormente. O Yoga-darshana pode ser transmitido quase que completamente de modo virtual e pode ser aprendido em grande parte por meio de livros e vídeos. No entanto, para que o conhecimento seja transmitido de modo íntegro, será necessário um contato mínimo com o mestre. Só a interação com o professor, o esclarecimento de dúvidas e a interação com colegas de jornada poderá aparar as pontas finais no processo de autoconhecimento. Em termos de sadhana, uma vez que as técnicas tenham sido aprendidas adequadamente, grande parte do processo será solitário. Mas nunca deve-se desprezar a possibilidade de receber uns ajustes num ásana que, por força do hábito, passamos a fazer com alguma incorreção.

Nada melhor do que a Internet, para vermos o que as pessoas estão falando sobre essas possibilidades de aprender Yoga. Vejamos o resumo de algumas respostas a uma pergunta feita no Reddit sobre Yoga-Online versus Yoga-Presencial:

  • Aulas presenciais são boas por causa da energia dos colegas;
  • Como principiante “eu precisava” de feedback sobre as minhas posturas;
  • A variedade das aulas, a atenção individual e a comunidade são essenciais numa aula presencial;
  • Com as aulas presenciais é mais difícil de procrastinar;
  • Pode-se ganhar muito conhecimento com aulas online, mas nada substitui o olhar atento de um professor experiente na sua execução das posturas;
  • As abordagens não são, necessariamente, mutuamente exclusivas;
  • Algumas posturas podem ser perigosas se executadas sozinhas e sem orientação.
  • Aprender de um professor qualificado é o melhor que podemos ter;
  • Um professor presencial pode ajustar a aula para a sua forma, capacidade física e conforto. As aulas virtuais podem ser usadas como suplemento;
  • As aulas virtuais podem ser boas se você não tem tempo disponível para a aula presencial. Mas a energia da aula presencial é insubstituível;
  • A aula presencial facilita o foco;
  • Se você tem fundações sólidas no Yoga, pode seguir por vídeos;
  • “Eu gosto de assistir aulas online, mas quando quero ir fundo na prática vou a uma aula presencial”;
  • Numa sala de aula muito cheia, mesmo que presencial, não quer dizer que a aula será boa;

Em suma, se você não tem experiência com Yoga não tem tente praticar sozinho em casa, procure o auxílio de alguém mais experiente. Se você já pratica há alguns anos, pode tentar incrementar a sua prática vendo alguns vídeos e pedindo alguma orientação ao seu professor sobre a prática em casa. Mas a prática presencial é insubstituível. E não esqueça de investigar com quem seu professor aprendeu, como e onde. Você poderá se surpreender (ou se decepcionar).

Mantras: usos e abusos

Usos e abusos dos mantras numa sociedade em que temos muita informação disponível.

Popularmente, um mantra ( मन्त्र ) é uma frase ou sílaba (bija-mantra) utilizada para orações ou meditações. Originalmente, um mantra é um “verso” dos Vedas. Com o desenvolvimento das tradições indianas conectadas aos Vedas, outros mantras foram revelados aos sábios. Mas um fato importante sobre a “obtenção” de mantras é que ou você é um sábio bastante realizado capaz de receber diretamente o mantra de Ishvara/Ishvari ou você precisa de um professor que te passe o mantra adequadamente.

É aí que começa a confusão. Primeiro, nos dias de hoje poucos são aqueles que dedicam sua vida integralmente ao Yoga ou ao autoconhecimento e praticam intensamente meditação, tapas, rituais e etc. Portanto, a probabilidade de existirem sábios por aí recebendo mantras por inspiração divina nos dias de hoje é bem baixa, embora não possamos excluir essa possibilidade. Segundo, com a popularização da Internet e do acesso à informação existe uma grande quantidade materiais dizendo que ensinam mantras. Esses materiais variam desde livros e vídeos no Youtube a cursos online. Então, já que é “tão fácil” ter acesso aos mantras hoje, por que não íriamos simplesmente ao Youtube, digitamos o objetivo para o qual queremos o mantra e o aprendemos? Por exemplo, suponha que alguém quer um mantra para arranjar um casamento. Ela poderia ir num dos oráculos dos tempos modernos e digitar “Mantra para arranjar marido”, escolher dentre os fundos musicais disponíveis e começar a repetir o mantra.

É claro que muitos de nós já tentamos acessar o conhecimento dos mantras pelo Google, mas pense bem, você realmente acha que um grande sábio conhecedor de mantras vai estar distribuindo mantras pelo Youtube? Não podemos negar a grande quantidade de trabalhos de qualidade sobre Yoga e Tradição Védica existente na Internet. Mas o fato de um professor explicar o significado de um mantra e cantar ele no Youtube para você ouvir não quer dizer que ele está te dando autorização para repetir o mantra. O fato dele estar explicando o mantra poderia ser apenas para fins de divulgação da tradição. Mas, como sempre, pense bem. Será que isso que está sendo recitado é realmente um mantra?

Uma coisa que tem acontecido muito nos dias de hoje é chamarmos qualquer frase recitada em uma língua estranha de mantra. Quando na verdade, o que está sendo recitado pode ser um cântico, um hino, um verso poético, etc.

Alguns fatores que devemos considerar se quisermos realmente aprender mantras do modo tido como tradicional:

  • Mantras ou cânticos da tradição védica são recitados em sânscrito;
  • No sânscrito existem sons que não fazem parte da língua portuguesa;
  • Tradicionalmente, a pronúncia correta do mantra é de extrema importância. Até por que há palavras em que a diferença entre uma vogal curta e uma vogal longa mudam o significado pretendido. Por exemplo: bala com o primeiro a curto significa força, bAla com o primeiro a longo significa criança ou garoto.
  • Tradicionalmente, um mantra que não tenha sido ativado por um praticante sério é considerado “morto”. Portanto, se você vai num “manual de mantras” e seleciona um que você quer e o repete, provavelmente estará perdendo seu tempo. O pior é que depois vai sair falando que mantra não funciona.
  • Não sabemos qual mantra é melhor para nós, apenas uma pessoa qualificada pode indicar e te passar um mantra.
  • Não é por que você acabou de aprender um mantra de seu professor que você já vai falar ele pros outros ou ensiná-lo a outras pessoas.
  • Por fim, toda tradição merece respeito. Um dos motivos pelos quais as tradições espirituais indianas se perpetuaram por milênios foi o respeito que os praticantes tinham por ela. Portanto, se você sai por aí balbuciando frases sem sentido pra você e que você não tem certeza se está falando corretamente e que foi você que escolheu em algum livro ou no Youtube, deveria repensar seu conceito de respeito por uma tradição.

Obs.: Tudo que foi exposto acima não exclui a possibilidade de acesso a mantras por inspiração divina.

Um pequeno guia de estudos sobre Raja Yoga

Este post apresenta uma pequena lista de textos e livros para aqueles interessados em iniciar os estudos em Raja Yoga.

O Raja Yoga é a metodologia de prática yogui cujo texto mais importante é o Yoga Sutra de Patanjali. Dito de outra forma, a prática yogui fundamentada no Yoga Sutra é chamada de Raja Yoga. O termo Raja pode ser traduzido como real ou régio. Neste sentido, o Raja Yoga é considerado por seus adeptos a metodologia de Yoga mais importante.

Alguns aspectos peculiares sobre o Raja Yoga são:

  1. Não se tem conhecimento de uma tradição mestre-discípulo que tenha se perpetuado por séculos como sendo a tradição do Raja Yoga. Porém, pode-se dizer que as práticas que compõem a metodologia do Raja Yoga são práticas tradicionais, algumas delas encontradas há milênios na tradição espiritual indiana.
  2. O texto autoritativo do Raja Yoga é um sutra. Um sutra é um texto que se propõe a ser criptográfico por definição. É propositalmente impossível um principiante ler um sutra e entender alguma coisa dele. Os sutras são escritos de modo muito resumido, são um tipo de texto para servir de guia para um professor que já estudou/praticou o tema e está usando apenas uma lista de tópicos mais importantes pra ensinar um assunto.
  3. Alguns autores modernos tem apontado para o fato de que os oito “membros” do Yoga não são práticas que devem ser seguidas numa sequência e, não necessariamente, todos os oito “membros” devem ser praticados para se dizer que a prática é de Raja Yoga. Na verdade, diz-se que esses oito componentes são auxiliares à prática de Yoga.
  4. Estudiosos acadêmicos apontam veementemente que a base filosófica do Raja Yoga é o Samkhya. Assim, recomenda-se o estudo de textos como o Samkhya Karika de Ishvara Krishna.
  5. Para o Raja Yoga, Yoga é Samadhi.

Dito isso, podemos afirmar que seria falso determinado professor dizer que faz parte de uma tradição de Raja Yoga que foi transmitida ininterruptamente de mestre a discípulo e que se estende há séculos ou milênios. Mas pode-se dizer que determinado professor faz parte de uma tradição centenária/milenar de sabedoria indiana em que se ensina, dentre outras coisas, Raja Yoga.

A ausência do fator linhagem pode parecer à primeira vista um ponto negativo, mas na verdade é um ponto forte do Raja Yoga. Pois isso dá liberdade ao praticante de exercer de modo flexível sua prática. No entanto, exceto por graça divina, ninguém aprende algo sozinho. Todos nós precisamos ouvir de alguém ou ler algo que alguém escreveu para aprendermos qualquer coisa. Mas neste ponto, temos mais um fator positivo. Um professor autêntico de Raja Yoga procura desde o início desenvolver a habilidade de autonomia em seus alunos. O treinamento em Raja Yoga procura desenvolver no praticante a habilidade de “ouvir” a sabedoria interna (ou divina) que está o tempo todo a nos falar, mas que em nosso modo usual de vida não a ouvimos. Um professor autêntico de Raja Yoga não quer manter discípulos dependentes de si por tempo indefinido. Na verdade, uma das maiores alegrias do professor autêntico de Raja Yoga é ver seu aluno atuando independentemente, mas no caminho certo.

Existem centenas de traduções diferentes dos Yoga Sutras e uma quantidade ainda maior de livros explicando o que dizem ser Raja Yoga. O principal problema é que, devido ao fato de que os sutras são textos muito difíceis de interpretar, cada pessoa que interpreta o interpreta de uma perspectiva que “puxa a sardinha” para a brasa da sua tradição.

A seguir, apresento uma lista de textos que expõem traduções e explicações sobre o Raja Yoga. Alguns desses textos podem apresentar explicações um pouco divergentes mas todos são muito bons e seus autores são muito importantes para a tradição Yogue:

Nomes de Ganesha

Tradução de 16 nomes de Ganesha.

A seguir são apresentados 16 nomes de Ganesha e suas traduções:

  1. गजानन (gajānana) => face de elefante
  2. गणाध्यक्ष (gaṇādhyakṣa) => líder dos grupos
  3. विघ्नराज (vighnarāja) =>destruídor dos obstáculos
  4. विनायक (vināyaka) => removedor
  5. द्वैमातुर (dvaimātura) => aquele que tem duas mães
  6. द्विमुख (dvimukha) => aquele que tem duas cabeças
  7. प्रमुख (pramukha) => líder
  8. सुमुख (sumukha) => face auspiciosa, gracioso
  9. कृति (kṛti) => [senhor das] artes
  10. सुप्रदीप (supradīpa) => luz suprema
  11. सुखनिधी (sukhanidhī)=> repositório de felicidade
  12. सुराध्यक्ष (surādhyakṣa) => líder dos devas
  13. सुरारिघ्न (surārighna) => destruidor dos inimigos dos devas
  14. महागणपति (mahāgaṇapati) => grande líder das tropas
  15. मान्या (mānyā) => honorável
  16. महाकाल (mahākāla) =>grande terrível

Tradução do Hamsa Gayatri

Tradução do Hamsa Gayatri.

Hamsa Gayatri

Versos em sânscrito

हंस हंसाय विद्महे परमहम्साय धीमहि |

तन्नो हंसः प्रचोदयात् ||

Versos transliterados

haṃsa haṃsāya vidmahe paramahamsāya dhīmahi |

tanno haṃsaḥ pracodayāt ||

Tradução palavra por palavra

hamsa => (palavra masculina, vocativo) cisne, mestre espiritual, alma, espírito

hamsAya => (palavra masculina, dativo) para o hamsa

vidmahe => (verbo, primeira pessoa do plural, tempo presente, 2A, raiz vid) => nós conhecemos, nós entendemos

paramahamsAya => hamsa supremo

dhImahi (verbo, primeira pessoa do plural, beneditivo, 3A, raiz dhā) => que nós meditemos

Tradução literal: Oh mestre, nós conhecemos para o mestre, que nós meditemos para o mestre supremo.

Tradução mais poética: Oh mestre! Que nós conheçamos o mestre, que nós meditemos no mestre supremo.

tan (pronome demonstrativo, segundo caso singular) => esse, aquele, o/a

no => (naś, acusativo plural naḥ forma enclítica) => nos

hamsah (palavra masculina, nominativo) mestre

prachodayAt (verbo, pra + raiz chud, 1P, 3 pessoa do singular, beneditivo) => que ele nos conduza

Tradução literal: Que esse mestre nos conduza.

Tradução final (poética)

Oh Mestre! Que nós te conheçamos! Que nós meditemos no mestre supremo!

Que esse mestre nos conduza!

A Dificuldade de Manter a Xícara Vazia em Tempos de Internet

Erros comuns na relação professor-aluno no processo ensino-aprendizagem nas disciplinas de autoconhecimento.

Há uma historinha bastante conhecida no contexto de tradições de autoconhecimento que se refere à necessidade de nos desvencilharmos de todo conhecimento prévio que julgamos ter sobre um assunto antes de nos dirigirmos a um professor. A história conta que um determinado aluno foi visitar um mestre e chegou “cheio de conhecimento” falando de tudo que já sabia e de tudo que já tinha lido. O mestre o chamou para tomar um chá e começou a encher a xícara do aluno, mas mesmo depois que a xícara já estava cheia o mestre continuou derramando o chá na xícara. O aluno pediu para ele parar e perguntou por que ele continuava a derramar o chá mesmo com a xícara estando cheia. O mestre disse: da mesma forma que é impossível entrar novo chá nessa xícara é impossível entrar novo conhecimento na mente que já chega cheia. No Zen, esse ensinamento é traduzido na frase: “Mente Zen, mente de Principiante”.

Hoje em dia, é ainda mais difícil de manter as xícaras das nossas mentes vazias devido a grande facilidade de acesso à informação que a Web nos proporciona. No entanto, o que a maioria das pessoas que buscam o autoconhecimento não percebe, pelo menos no início, é que a sabedoria disponível em tradições como Yoga, Vedanta e Budismo não é como Matemática e Geografia que basta você pegar uns livros, ler algumas vezes, fazer exercícios e assim você saberá do conteúdo. Não, não é assim. A transmissão de sabedoria espiritual exige um método que está além das palavras e da abordagem utilizada em escolas e universidades.

Embora nas disciplinas de conhecimento material (chamemos assim), algumas pessoas possam se autointitular autodidatas, nas disciplinas de sabedoria espiritual isso é muito raro ou, praticamente, impossível. Mesmo aqueles que se dizem autodidatas estão enganados pois eles, no mínimo, leram algum livro que foi escrito por outra pessoa e, podemos dizer, essa outra pessoa ensinou indiretamente o conteúdo àquela que leu o livro. No caso de espiritualidade, pode haver uma transmissão espontânea chamada de shaktipat. Mesmo assim, a pessoa que recebe um shaktipat espontâneo vai precisar estudar, por um tempo, com um mestre se desejar ter conhecimento ou desenvolver habilidades mínimas para se tornar autônomo.

O problema pode se tornar ainda mais sério quando a pessoa procura um professor, mas só para cumprir tabela. Chega na aula achando que sabe tudo, mesmo sem expressar isso, ou às vezes nem percebe que está agindo como se soubesse de tudo.

Por exemplo, a pessoa tem determinada experiência durante uma prática e acha que foi algum despertar de chakra (mesmo que tal pessoa não saiba direito o que são chakras nem as possíveis localizações). A pessoa pergunta ao professor se aquela experiência é despertar de um chakra específico e o professor diz que acha que não por que naquela região não tem chakra nenhum, nem nas tradições que ele conhece se menciona a existência de chakra naquela região. O aluno sai e diz: continuo achando que foi a sensação de chakra por que eu li na revista XYZ que isso pode acontecer e eu dei uma palestra sobre isso, etc.

Outro exemplo: o aluno está com alguma dificuldade interna e acha que é devido às práticas, pede conselho ao professor se deve seguir o caminho A ou o caminho B. O professor diz pra seguir o caminho A, mas o aluno diz que acha melhor seguir o caminho B. Isso é, no mínimo, entristecedor. Se você pede um conselho já pensando em não seguir, pra quê pede?

O que vejo alguns professores fazerem em relação a esse tipo de atitudo de xícara cheia é, simplesmente, depois de algumas repetições do comportamento, se abster de dar opinião ou conselho. Em casos extremos, já vi o professor se recusar a ensinar qualquer coisa ao aluno sabichão, pois, afinal, se ele sabe tanto, veio aprender o quê?

Yoganidrá: História e Contexto

Este texto é um resumo do artigo “Yoganidrá: An Understanding of the History and Context” escrito por JASON BIRCH e JACQUELINE HARGREAVES.

O termo Yoganidrá (e as técnicas relacionadas) ficou popular a partir dos trabalhos dos professores da linhagem de Swami Satyananda Saraswati. Mas devido aos escândalos de envolvimento em abuso sexual de crianças atribuídos a Swami Satyananda Saraswati, alguns autores decidiram resgatar o histórico desta prática nas fontes textuais clássicas do Yoga.

A palavra yoganidrá é uma palavra composta que pode ser interpetrada de vários modos, por exemplo: o sono causado pelo yoga ou o sono do yoga. O significado específico do termo depende de seu contexto histórico. Uma das menções mais antigas ao termo ocorre no Mahabharata, datado de cerca de 300 A.C.. No Mahabharata, yoganidrá se refere ao sono de Vishnu entre os ciclos do universo. As referências mais antigas do termo yoganidrá não se referem a uma técnica mas uma descrição do sono transcendental de um deva.

As primeiras menções ao yoganidrá como técnica ocorrem em textos tântricos Shaiva e Budistas como o Cincinimatasarasamuccaya e o Mahamayatantra, respectivamente. Apenas nos séculos 11 a 12 é que surgem textos de Yoga descrevendo o yoganidrá como técnicas para a libertação. Ocorre em vários textos de Hatha e Rajayoga, o uso de yoganidrá como um sinônimo para um estado profundo de meditação conhecido como samadhi. Esse estado de sono yóguico transcendente seria alcançado por meio da prática de Shambhavi Mudrá, do desapego e da devoção ao guru.  Segundo o Yogataravali, o yoganidrá seria praticado repousando-se sobre a “cama do quarto estado” (turiya). O termo yoganidrá aparece no quarto capítulo da Haṭhapradīpikā, que descreve como Kechari Mudrá pode ser usado para alcançar samadhi. No século 17, o yoganidrá foi adotado como o nome de um ásana de yoga.

Swami Satyananda criou um sistematização de várias técnicas de yoga oriundas de diferentes tradições religiosas e chamou de yoganidrá. A sistematização proposta por ele é composta de sete partes:

  1. Preparação. Satyananda sugere que seja assumida a postura deitada chamada de śavásana. Mas em alguns textos de yoga não se menciona a necessidade de assumir essa postura para praticar yoganidrá;
  2. Resolução. Afirmação positiva, ou Sankalpa. Esse passo da prática é meio contraditório, pois nos textos clássicos de Yoga quando se fala em atingir o samadhi está subentendida a eliminação de todos os sankalpas da mente (Yoga é a cessação das atividades da mente, segundo Patanjali). Provavelmente, Swami Satyananda foi um dos responsáveis por integrar práticas de auto-sugestão como sendo sankalpa no yoganidrá, tendo sido, provavelmente, inspirado por terapias de relaxamento ocidentais;
  3. Rotação da consciência. Levar a mente de uma parte do corpo para outra numa sequência definida. Provavelmente, essa técnica foi derivada da técnica tântrica conhecida como nyasa. Há um precedente na literatura Yogui deste tipo de rotação de consciência numa variação do método de pratyahara em que o praticante leva sua atenção a 18 pontos vitais do corpo (marmasthana);
  4. Percepção da respiração. Observar a respiração nas narinas, no peito ou na passagem entre o baixo ventre e a garganta sem forçar ou mudá-la. Não há menções de técnicas para alcançar samadhi nos textos yoguis que sejam apenas observar a respiração, com exceção do Ajapa Japa que é como o Gayatri Mantra para os Yoguis e é capaz de despertar a Kundalini. Porém, há uma prática muito famosa no Budismo cujo princípio é observar a respiração, o anapannasati que é ensinado no Satipatthana Sutta;
  5. Sentimentos e sensações. Pareamento dos sentimentos opostos, exemplos: calor e frio, peso e leveza, dor e prazer, etc;
  6. Visualização. O professor descreve paisagens, oceanos, montanhas, templos, etc, que são visualizados pelo praticante. As técnicas de visualização são marca registrada da meditação tântrica, mas não fazem parte do Raja Yoga nem do Hatha Yoga;
  7. Finalização da prática. Repetição do Sankalpa e retorno gradual da mente ao estado acordado.

O texto original está disponível em: http://www.theluminescent.org/2015/01/yoganidra.html

Sutra 11 – Pada I – Yoga Sutra de Patanjali

Tradução do verso 11 do pada 1 do Yoga Sutra de Patanjali.

अनुभूतविषयासम्प्रमोषः स्मृतिः

anubhūtaviṣayāsampramoṣaḥ smṛtiḥ

अनुभूत (anubhūta), particípio passado  do verbo anubhū => percebido

विषय (viṣaya), masculino => objeto

अनुभूतविषय = अनुभूत + विषय => karmadhāraya => objetos percebidos

असंप्रमोष: (asaṃpramoṣa:), masculino, nominativo, singular => não deixar cair (a partir da memória), não deixado cair, não esquecido.

स्मृतिः (smṛtiḥ), feminino, nominativo, singular => memória

A palavra अनुभूतविषयासम्प्रमोषः e a palavra स्मृतिः formam um bahuvrīhi 

Tradução

Tradução literal: A memória é aquela da qual os objetos percebidos não são deixados cair.

Tradução adaptada: A memória não esquece os objetos percebidos.

Comentário

Observe que o contexto nos levou a interpretar “não deixar cair da memória” como sendo “esquecer”.

Para acessar a tradução dos outros versos, clique neste link.