Yoga Virtual

Infelizmente, devido à pressa do mundo moderno, o treinamento de professores de Yoga teve que sofrer mudanças e aos poucos algumas escolas foram reduzindo as exigências para formação de professores de modo que, pasmem, não seria de admirar se fosse possível você receber certificado de professor de Yoga sem nunca ter feito um ásana no curso de formação.

Antes de mais nada: Yoga não é ásana! Yoga não é ginástica! Yoga não é exercício físico! Mas: Yoga tem ásana! Yoga tem ginástica! Yoga tem exercício físico!

O Yoga pode ser definido de várias formas, a definição clássica de Patanjali diz que “Yoga é a cessação das atividades da mente”. Na Bhagavad Gita há várias outras definições, por exemplo: “Yoga é ação habilidosa”. Observe que em nenhuma das duas definições se diz que Yoga é ginástica. Porém, deve-se deixar bem claro que o Yogui deve ter uma boa capacidade física e que há várias técnicas yóguicas (por exemplo, ásanas e kriyas) que trabalham a capacidade física do yogui.

Antes de entrarmos no tema principal, vale a pena diferenciar dois aspectos importantes do yoga:

  • Yoga-darshana: aspectos teórico-filosóficos do yoga, ou seja, a visão do yoga.
  • Yoga-sadhana: o que se faz como Yoga, a prática em si mesma.

Infelizmente, devido à pressa do mundo moderno, o treinamento de professores de Yoga teve que sofrer mudanças e aos poucos algumas escolas foram reduzindo as exigências para formação de professores de modo que, pasmem, não seria de admirar se fosse possível você receber certificado de professor de Yoga sem nunca ter feito um ásana no curso de formação.

O conhecimento tradicional aos poucos vai se adaptando às mudanças impostas pelo tempo e às características culturais das novas sociedades por onde vai se disseminando. Isso não poderia ser diferente para o Yoga. Hoje é fácil encontrar milhares de vídeos na Internet “ensinando” sequências de ásanas ou tutoriais com imagens detalhando as posturas. Ótimo! Excelente! Que maravilha que esse conhecimento está sendo divulgado!

Porém, deveríamos nos questionar: para quem esse conhecimento é adequado? Outro fator que devemos nos lembrar é: o que quer dizer transmissão tradicional de conhecimento? Em primeiro lugar, o fato do conhecimento está sendo transmitido virtualmente pela Internet ou por livros não quer dizer que ele não esteja sendo transmitido de modo tradicional. Nas tradições yóguicas, duas perguntas fundamentais para checar o “pedigree” de alguém que pretende ser professor são:

    • Quem é ou foi o seu professor?
    • Quanto tempo você estudou com ele?

Existem pessoas que sabendo da importância dessas duas perguntas, se matriculam em algum curso com um professor famoso passam alguns meses e desistem. Depois usam o nome daquele professor dizendo “Comecei os estudos com o professor XXX em 20YY”. Mas será que terminou os estudos?

Agora, diante dessas duas perguntas voltemos à situação de alguém que pretende ser professor de Yoga estudando de modo autodidata por livros e vídeos online. Perceba que há pelo menos um erro nessa situação: como alguém pode se autointitular autodidata se estuda o trabalho de outros professores ou vê vídeos de outros professores? Claro que essa pessoa não é autodidata. Uma característica básica de um autodidata é ele ser capaz de intuir o conhecimento sem o auxílio de um professor. Algo raro nos dias de hoje, em que tudo se copia.

Agora, voltemos para a situação daquele que quer ser professor de Yoga. Uma coisa muito comum em estúdios de Yoga é perceber como há uma grande quantidade de pessoas com problemas de coordenação motora (e não precisa ser idoso, há muitos jovens descordenados por aí) e até mesmo com leve dislexia a ponto de não saber diferenciar o que é esquerda do que é direita. Imagine uma pessoa que nunca na vida teve uma aula de Yoga presencial tentando aprender isso por vídeos ou por imagens. Todas as pessoas que já foram a uma aula de Yoga decente sabem que uma das tarefas fundamentais de qualquer professor de Yoga é ajustar a postura do aluno, indicar pra ele o lado correto do corpo, indicar a região do corpo onde ele deve sentir melhor a ação do ásana, etc. Quando começamos a considerar todos esses aspectos, talvez torne-se impossível conceber a possibilidade de alguém que nunca praticou Yoga se tornar um professor por meio de um curso 100% online. Não precisa ser um gênio para perceber isso. Além disso, que argumentos um professor formado virtualmente terá para convencer pessoas a serem seus alunos, quando essas mesmas pessoas podem aprender Yoga vendo vídeos online. Seria, no mínimo, hilária essa tentativa de convencimento.

Isso não quer dizer que o conhecimento de Yoga não possa ser transmitido online. É aqui que voltamos a duas definições dadas anteriormente. O Yoga-darshana pode ser transmitido quase que completamente de modo virtual e pode ser aprendido em grande parte por meio de livros e vídeos. No entanto, para que o conhecimento seja transmitido de modo íntegro, será necessário um contato mínimo com o mestre. Só a interação com o professor, o esclarecimento de dúvidas e a interação com colegas de jornada poderá aparar as pontas finais no processo de autoconhecimento. Em termos de sadhana, uma vez que as técnicas tenham sido aprendidas adequadamente, grande parte do processo será solitário. Mas nunca deve-se desprezar a possibilidade de receber uns ajustes num ásana que, por força do hábito, passamos a fazer com alguma incorreção.

Nada melhor do que a Internet, para vermos o que as pessoas estão falando sobre essas possibilidades de aprender Yoga. Vejamos o resumo de algumas respostas a uma pergunta feita no Reddit sobre Yoga-Online versus Yoga-Presencial:

  • Aulas presenciais são boas por causa da energia dos colegas;
  • Como principiante “eu precisava” de feedback sobre as minhas posturas;
  • A variedade das aulas, a atenção individual e a comunidade são essenciais numa aula presencial;
  • Com as aulas presenciais é mais difícil de procrastinar;
  • Pode-se ganhar muito conhecimento com aulas online, mas nada substitui o olhar atento de um professor experiente na sua execução das posturas;
  • As abordagens não são, necessariamente, mutuamente exclusivas;
  • Algumas posturas podem ser perigosas se executadas sozinhas e sem orientação.
  • Aprender de um professor qualificado é o melhor que podemos ter;
  • Um professor presencial pode ajustar a aula para a sua forma, capacidade física e conforto. As aulas virtuais podem ser usadas como suplemento;
  • As aulas virtuais podem ser boas se você não tem tempo disponível para a aula presencial. Mas a energia da aula presencial é insubstituível;
  • A aula presencial facilita o foco;
  • Se você tem fundações sólidas no Yoga, pode seguir por vídeos;
  • “Eu gosto de assistir aulas online, mas quando quero ir fundo na prática vou a uma aula presencial”;
  • Numa sala de aula muito cheia, mesmo que presencial, não quer dizer que a aula será boa;

Em suma, se você não tem experiência com Yoga não tem tente praticar sozinho em casa, procure o auxílio de alguém mais experiente. Se você já pratica há alguns anos, pode tentar incrementar a sua prática vendo alguns vídeos e pedindo alguma orientação ao seu professor sobre a prática em casa. Mas a prática presencial é insubstituível. E não esqueça de investigar com quem seu professor aprendeu, como e onde. Você poderá se surpreender (ou se decepcionar).

A origem da grande quantidade de ásanas do Yoga moderno

Muitas pessoas pensam que a grande quantidade de posturas do Yoga moderno é invenção dos novos “professores”, mas o estudo de alguns manuscritos recém-descobertos aponta para o fato de que na Índia pré-invasão britânica já havia a prática de uma grande variedade de ásanas.

Vários autores já apontaram o fato de que textos clássicos de Yoga mencionam apenas algumas dezenas de ásanas. Enquanto o Yoga Sutra de Patanjali se restringe a dizer que ásana é uma postura firme e agradável, o Yoga Bhasya de Vyasa ao Yoga Sutra menciona apenas 12 ásanas:

  1. padmásana;
  2. vírásana;
  3. bhadrásana;
  4. svastikásana;
  5. dandásana;
  6. sopáśrayásana;
  7. paryankásana;
  8. krauñcanishdanásana;
  9. hastinishadanásana;
  10. ushtranishadanásana;
  11. samasamsthánásana;
  12. sthirasukha ou yathásukásana.

Além de serem poucos, grande parte dos ásanas mencionados são sentados e muitos autores dizem que o único propósito do ásana é habilitar o corpo a conseguir passar um bom tempo sentado em meditação.

Atualmente, quando se fala em Yoga as pessoas pensam principalmente em posturas físicas. Alguns leigos ainda associam yoga/ásanas com Hatha Yoga. Porém, mesmos textos clássicos de Hatha Yoga como Śivasamhitá (menciona apenas 6 ásanas), Hathapradípiká (menciona apenas 15 ásanas) e Gherandasamhitá falam de poucos ásanas. A Gherandasamhitá é a que menciona a maior quantidade de ásanas, mas são apenas trinta e dois.

Se formos a alguns sites que falam de Yoga, podemos encontrar até softwares que automatizam “a criação” de ásanas e de sequências. Por exemplo, o site Yoga Journal lista uma grande quantidade de ásanas e sugestões de sequências.

O que ainda está faltando na literatura especializada é um estudo que indique se essa proliferação de ásanas é simplesmente uma influência ocidental no Yoga ou se existe alguma conexão com as fontes tradicionais, ou se existem textos tradicionais que indiquem que eram feitas práticas em que a execução de uma grande quantidade de ásanas era importante.

Neste sentido, recentemente, Jason Birch publicou um capítulo intitulado “The Proliferation of Asana-s in Late-Medieval Yoga Texts”, no livro “Yoga in Transformation”. O capítulo de Jason Birch se fundamenta na descoberta de vários manuscritos de textos medievais de yoga que contém listas de mais de oitenta e quatro ásanas. Segundo o autor, esse número é canônico e é mencionado em vários textos de yoga. O que faltava, até o momento, eram textos que descrevessem esses ásanas, pois as menções aos oitenta e quatro eram apenas listas de nomes ou apenas menção ao número.

Jason Birch argumenta que, de fato, está claro que mais de oitenta e quatro ásanas eram praticados em algumas tradições do Hatha Yoga antes dos britânicos chegarem à Índia. O mais incrível, para quem achava que ásana era apenas para sentar e meditar, é que a maioria dos ásanas descritos nos  textos recentemente descobertos não eram posturas sentadas, mas posturas complexas e que demandavam muito esforço físico, algumas envolvendo movimento repetitivo, controle da respiração e uso de cordas.

Além da grande variedade de ásanas descritos, os novos manuscritos descobertos apontam para o fato de que os ásanas eram executados não apenas como alongamentos ou exercícios físicos como alguns “professores de yoga” ensinam (ou como é ensinado em algumas academias de musculação). A execução de ásanas envolvia movimento cíclico da respiração entre o abdômen e a cabeça, por exemplo. Em alguns trechos desses manuscritos os ásanas são descritos como kriyás, que combinam técnicas elaboradas de pránáyáma com ásanas complexos.

Outra característica interessante que aparece em um dos novos manuscritos é a sequência de ásanas em que o praticante deve ser capaz de realizar ásanas fundamentais antes de seguir para ásanas mais complexos.

Segundo Jason Birch, a hipótese de Sjoman de que alguns ásanas derivam de sistemas indianos de artes marciais continua válida, mas a contribuição do novo manuscrito foi situar esses ásanas no Hatha Yoga. Além disso, o novo manuscrito deixa claro que hathayogis praticavam ásanas dinâmicos, antes da influência britânica.

Por fim, Jason Birch traça algumas hipóteses sobre a influência de textos derivados desses manuscritos nos sistemas de Yoga desenvolvidos pelos alunos de Krshnamácárya (Patabhi Jois, Iyengar, Desikachar, Kaustubh, etc). Os alunos da linhagem de Krshnamácárya mencionam um texto chamado Yoga Kurunta que Jason Birch diz não ter encontrado nenhuma cópia em bibliotecas da Índia. Mas pelos relatos dos alunos da linhagem há alguma influência dos novos manuscritos nesse suposto texto chamado Yoga Kurunta.

Finalmente, a origem da míriade de ásanas do Yoga moderno está começando a ficar clara.

Yoga e Ciência 3.0: Neurônios, Músculos Esqueleto

Neste vídeo, é apresentada a visão geral das relações entre cérebro, corpo e Yoga. Além disso, a postura Virabhadrasana 1 é analisada antomicamente.

Neste vídeo, é apresentada a visão geral das relações entre cérebro, corpo e Yoga. Entenda:

  • O que são os neurônios e as sinapses;
  • O que são neurotransmissores;
  • Os efeitos da gravidade nos músculos e esqueleto e o que o Yoga tem a ver com isso;
  • Análise anatômica da postura Virabhadrasana 1.