A História de Sulabha: Discussão de Gênero no Mahabharata

A história de Sulabha ocorre no Mahabharata, ela foi uma sábia que venceu um debate contra o rei Janaka sobre o fato de que não existe diferença entre homens e mulheres segundo a filosofia indiana. Esse texto é uma tradução resumida to artigo “The Self Is Not Gendered: Sulabha’s Debate with King Janaka” de Ruth Vanita. Trechos em itálico são para indicar tradução literal.

Textos antigos são complicados de interpretar devido a vários motivos, por exemplo: problemas de tradução, não-entendimento do contexto em que foram escritos e uso mal-intencionado de trechos específicos. Por exemplo, no texto Manusmrti (conhecido por ser considerado um dos textos legais mais antigos da humanidade) podemos encontrar dois trechos aparentemente divergentes:

  • … os deuses residem onde as mulheres são honradas;
  •  … uma mulher nunca deveria ser independente, mas deveria estar sob a proteção do pai durante a infância, do marido durante a idade adulta e do filho durante a velhice.

Ruth Vanita argumenta que havia um debate em andamento sobre as mulheres nos textos indianos antigos e que a figura de uma mulher solteira como renunciante e intelectual desafia o “ditado” de que uma mulher deveria estar sempre sob a proteção de um homem. Vanita afirma também que as feministas tem dado muito mais atenção a aspectos irados das devis ou a mulheres  que sofreram nas histórias do que a histórias de devis como Saraswati (devi da fala, da aprendizagem e das artes) que aparece independente e sem consorte. Outra devi que não tem consorte é Vak, mencionada em um dos textos mais antigos, o Rigveda.

Sulabha é uma asceta kshatriya. Assim como Janaka, ela aparece em várias histórias (e.g., Saulabha Shakha do Rigveda Samhita, Kaushitaki Brahmana e Shanti Parva do Mahabharata) e representa a acadêmica feminina por excelência.

O debate mencionado aqui ocorre no Shanti Parva do Mahabharata e termina com o silêncio do Rei Janaka. Embora esse debate trate da relativa superioridade da ação e da renúncia como caminhos de libertação, ele também é um debate sobre gênero, especificamente: se uma mulher pode ser autônoma,  pode ser igual ou superior a um homem intelectualmente e pode atingir a libertação independentemente. O argumento básico usado por Sulabha é que Atman tem gênero neutro em sânscrito (nomes em sânscrito podem ter um de três gêneros: masculino, feminino ou neutro).

A história de Sulabha surge como resposta a uma pergunta de Yuddhishthira para Bhishma. A pergunta foi: é possível  obter a libertação sem abandonar a vida doméstica?

Sulabha era uma renunciante andarilha que soube da fama do rei Janaka e decidiu testá-lo. Se apresentou no palácio e depois de algumas conversas entrou em debate. Um dos argumentos do rei Janaka era de que ele era superior a Sulabha por ela ser mulher. O rei Janaka tenta demonstrar seu argumento apelando para noções convencionais sobre papéis de gêneros. Seu tom de bullying e sua atitudade masculinista para com Sulabha parecem bastante inapropriados para uma pessoa que clama ser desapegada do mundo e portanto de preconceitos sociais. O rei Janaka argumenta que por ela ser mulher, bonita e delicada seria incapaz de superar seus desejos por prazeres sexuais e sensuais.

Dentre os argumentos de Sulabha destacam-se:

  • Entender a si mesmo como diferente dos outros seres é falta de sabedoria;
  • Como a identidade está em fluxo, ela não pode ser fixada ou possuída. Esse argumento demonstra que a diferenças sexual não é uma diferença essencial;
  • Sulabha declara que seu corpo é diferente do corpo de Janaka mas não há diferença entre seu Atman e o Atman dele ou o Atman de qualquer outra pessoa;

A vitória de Sulabha no debate justifica suas próprias escolhas na vida (não casar, vagar pelo mundo sozinha, buscar libertação pelo mesmo caminho que os homens) e sua ações (entrar em debate público com um homem famoso). Quando focamos nos debates dinâmicos em relação a gênero que floresceram nos textos indianos antigos ajudamos a combater o estereótipo desses textos como monoliticamente justificando a subordinação das mulheres ou monoliticamente honrando os homens.