Propriedades do Fluxo Mental – Aflições mentais segundo o Yoga.

Breve conversa sobre as “cores” dos pensamentos, ou propriedades do fluxo mental segundo o Yoga.

Sutra 14 – Pada I – Yoga Sutra de Patanjali

Tradução do verso 14 do pada 1 do Yoga Sutra de Patanjali. Para visualizar a tradução de outros versos, clique aqui neste link: https://www.cienciacontemplativa.com.br/2018/07/14/traducao-detalhada-yoga-sutra/

स तु दीर्घकालनैरन्तर्यसत्कारासेवितो दृढभूमिः॥१४॥

sa tu dīrghakālanairantaryasatkārāsevito dṛḍhabhūmiḥ ॥14॥

स => सः => pronome demonstrativo masculino nominativo singular => esse, isso, aquele, a

तु => palavra indeclinável => mas, e

दीर्घकाल => दीर्घ +  काल (tatpurusha 2) => longo tempo

        दीर्घ => adjetivo => longo, de longa duração

काल => substantivo masculino => tempo

नैरन्तर्य => palavra neutra => sem interrupção

सत्कारा => सत् + कारा => tatpurusha 2 =>  verdadeiro esforço

        सत् => real, ser, verdadeiro

कार => substantivo masculino => esforço, austeridade religiosa

असेवितो => असेवित: => adjetivo => negligenciado

दृढभूमिः => दृढ + भूमिः => tatpurusha 2 => posição estável

दृढ => adjetivo => fixado, sólido, estável

भूमिः => substantivo feminino nominativo singular => terra, lugar, posição

Tradução:

E aquela (a prática mencionada no verso anterior) [sendo] [de] longa duração [,] sem interrupção [e] [com] verdadeiro esforço [é] [a] posição estável.  

Um pequeno guia de estudos sobre Raja Yoga

Este post apresenta uma pequena lista de textos e livros para aqueles interessados em iniciar os estudos em Raja Yoga.

O Raja Yoga é a metodologia de prática yogui cujo texto mais importante é o Yoga Sutra de Patanjali. Dito de outra forma, a prática yogui fundamentada no Yoga Sutra é chamada de Raja Yoga. O termo Raja pode ser traduzido como real ou régio. Neste sentido, o Raja Yoga é considerado por seus adeptos a metodologia de Yoga mais importante.

Alguns aspectos peculiares sobre o Raja Yoga são:

  1. Não se tem conhecimento de uma tradição mestre-discípulo que tenha se perpetuado por séculos como sendo a tradição do Raja Yoga. Porém, pode-se dizer que as práticas que compõem a metodologia do Raja Yoga são práticas tradicionais, algumas delas encontradas há milênios na tradição espiritual indiana.
  2. O texto autoritativo do Raja Yoga é um sutra. Um sutra é um texto que se propõe a ser criptográfico por definição. É propositalmente impossível um principiante ler um sutra e entender alguma coisa dele. Os sutras são escritos de modo muito resumido, são um tipo de texto para servir de guia para um professor que já estudou/praticou o tema e está usando apenas uma lista de tópicos mais importantes pra ensinar um assunto.
  3. Alguns autores modernos tem apontado para o fato de que os oito “membros” do Yoga não são práticas que devem ser seguidas numa sequência e, não necessariamente, todos os oito “membros” devem ser praticados para se dizer que a prática é de Raja Yoga. Na verdade, diz-se que esses oito componentes são auxiliares à prática de Yoga.
  4. Estudiosos acadêmicos apontam veementemente que a base filosófica do Raja Yoga é o Samkhya. Assim, recomenda-se o estudo de textos como o Samkhya Karika de Ishvara Krishna.
  5. Para o Raja Yoga, Yoga é Samadhi.

Dito isso, podemos afirmar que seria falso determinado professor dizer que faz parte de uma tradição de Raja Yoga que foi transmitida ininterruptamente de mestre a discípulo e que se estende há séculos ou milênios. Mas pode-se dizer que determinado professor faz parte de uma tradição centenária/milenar de sabedoria indiana em que se ensina, dentre outras coisas, Raja Yoga.

A ausência do fator linhagem pode parecer à primeira vista um ponto negativo, mas na verdade é um ponto forte do Raja Yoga. Pois isso dá liberdade ao praticante de exercer de modo flexível sua prática. No entanto, exceto por graça divina, ninguém aprende algo sozinho. Todos nós precisamos ouvir de alguém ou ler algo que alguém escreveu para aprendermos qualquer coisa. Mas neste ponto, temos mais um fator positivo. Um professor autêntico de Raja Yoga procura desde o início desenvolver a habilidade de autonomia em seus alunos. O treinamento em Raja Yoga procura desenvolver no praticante a habilidade de “ouvir” a sabedoria interna (ou divina) que está o tempo todo a nos falar, mas que em nosso modo usual de vida não a ouvimos. Um professor autêntico de Raja Yoga não quer manter discípulos dependentes de si por tempo indefinido. Na verdade, uma das maiores alegrias do professor autêntico de Raja Yoga é ver seu aluno atuando independentemente, mas no caminho certo.

Existem centenas de traduções diferentes dos Yoga Sutras e uma quantidade ainda maior de livros explicando o que dizem ser Raja Yoga. O principal problema é que, devido ao fato de que os sutras são textos muito difíceis de interpretar, cada pessoa que interpreta o interpreta de uma perspectiva que “puxa a sardinha” para a brasa da sua tradição.

A seguir, apresento uma lista de textos que expõem traduções e explicações sobre o Raja Yoga. Alguns desses textos podem apresentar explicações um pouco divergentes mas todos são muito bons e seus autores são muito importantes para a tradição Yogue:

Sutra 10 – Pada I – Yoga Sutra de Patanjali

अभावप्रत्ययालम्बना वृत्तिर्निद्रा॥१०॥

abhāvapratyayālambanā vṛttirnidrā॥10॥

A atividade do sono [tem como] base a crença na nulidade ॥10॥

Tradução palavra por palavra

अभाव (abhāva), masculino => não-existência, nulidade, ausência.

प्रत्यय (pratyaya), masculino => crença, convicção, fé, verdade.

आलम्बन (ālambana) neutro => suporte, fundação, base.

वृत्ति (vṛtti), masculino, nominativo, singular => atividade, função.

निद्रा (nidrā), feminino, nominativo, singular => sono.

Comentário

Uma tradução alternativa seria: As atividades que ocorrem durante o sono tem como base a convicção em algo que não existe. Observe que ocorre um sandhi de visarga entre vṛtti e nidrā. Nesse caso, a visarga é reescrita como r.

Para acessar a tradução dos outros versos, clique neste link.

 

 

Sutra 9 – Pada I – Yoga Sutra de Patanjali

शब्दज्ञानानुपाती वस्तुशून्यो विकल्पः॥९॥

śabdajñānānupātī vastuśūnyo vikalpaḥ॥9॥

[Um] pensamento, essência vazia, [é] resultado de conhecimento de palavra ॥ 9॥

Tradução palavra por palavra

शब्द (śabda), masculino => som, ruído, palavra.

ज्ञान (jñāna), neutro => conhecimento.

अनुपाती (anupātī), masculino, nominativo, singular => resultado, consequência.

वस्तु (vastu), neutro => coisa, objeto, essência.

शून्य: (śūnyaḥ), adjetivo => vazio.

विकल्पः (vikalpaḥ), masculino, nominativo => pensamento.

Comentário

Na forma composta शब्दज्ञानानुपाती temos dois tatpurushas genitivos:

1) śabdasya + jñāna = conhecimento de palavra (conhecimento verbal).

2) śabdajñānasya + anupātī = resultado de conhecimento de palavra.

Observe, também, que ocorre um sandhi de visarga na com a palavra śūnyaḥ, que passa a se escrever śūnyo. A regra de sandhi de visarga aplicada diz que quando a curto seguido de visarga é seguido de palavra iniciada por consoante sonora, a visarga cai, o a vira o e as palavras permanecem separadas.

Para ver a tradução de outros versos, clique aqui.

 

 

Verso 8 do Pada I Yoga Sutra de Patanjali

विपर्ययो मिथ्याज्ञानमतद्रूपप्रतिष्ठम्॥८॥

viparyayo mithyājñānamatadrūpapratiṣṭham॥8॥

O erro [é] conhecimento incorretamente firme na forma injusta.

Tradução Palavra por Palavra

विपर्ययो (viparyayo), masculino, nominativo, singular => erro.

मिथ्या (mithyā), indeclinável => contrariamente, incorretamente.

ज्ञानम् (jñānam), neutro, acusativo, singular => conhecimento.

रूप (rūpa), neutro => forma.

अतद् (atad), indeclinável => injustamente.

प्रतिष्ठम् (pratiṣṭham) masculino/femino => firme.

Comentário

A tradução literal deste verso ficou meio obscura. Uma tradução interpretativa seria: O erro é o conhecimento firme na forma incorreta.

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Verso 7 do Pada I do Yoga Sutra de Patanjali

प्रत्यक्षानुमानागमाः प्रमाणानि॥७॥

pratyakṣānumānāgamāḥ pramāṇāni॥7॥

Os meios de conhecimento [são]: percepção, inferência [e] tradição.

Tradução Palavra por Palavra

प्रत्यक्ष (pratyakṣa), masculino => visível, perceptível, percepção.

अनुमान (anumāna), neutro => inferência, reflexão.

आगम (āgama) masculino, nominativo, plural => de acordo com a tradição.

प्रमाणानि (pramāṇāni) neutro, nominativo/acusativo, plural => medida, escala, meio de conhecimento, conhecimento correto.

Comentário

Observe que, ao contrário do sutra anterior, neste sutra, a palavra प्रमाणानि apareceu separada das outras e no plural. Isso é um indício de que as outras se referem a ela.

Veja a tradução de outros versos neste link.

Verso 6 do Pada I do Yoga Sutra de Patanjali

प्रमाणविपर्ययविकल्पनिद्रास्मृतयः॥६॥

pramāṇaviparyayavikalpanidrāsmṛtayaḥ॥6॥

Conhecimento correto, engano, dúvida, sono [e] lembrança.

Tradução Palavra por Palavra

प्रमाण (pramāṇa), neutra -> medida, escala, meio de conhecimento, conhecimento correto.

विपर्यय (viparyaya), masculino => erro, engano.

विकल्प (vikalpa), masculino => dúvida.

निद्रा (nidrā), feminino => sono.

स्मृतयः (smṛtayah) feminino, nominativo, singular => lembrança.

Comentário

Mais um exemplo de sutra sem verbo, sendo apenas uma lista de substantivos concatenados. Pelo sutra anterior, podemos entender que essas cinco palavras se referem às atividades da mente.  Assim, uma tradução alternativa seria: As atividades da mente podem ser: conhecimento correto, engano, dúvida, sono, lembrança.

Veja os outros versos neste link.

Verso 5 do Pada I do Yoga Sutra de Patanjali

वृत्तयः पञ्चतय्यः क्लिष्टा अक्लिष्टाः॥५॥

vṛttayaḥ pañcatayyaḥ kliṣṭā akliṣṭāḥ॥5॥

[As] atividades [são] cinco aflitas [e cinco] não-aflitas.

Tradução Palavra por Palavra

वृत्तयः (vṛttayaḥ), feminino, nominativo, singular => condição, estado, atividade, funcionamento

पञ्चतय्यः (pañcatayyaḥ), feminino, nominativo, plural => os cinco membros, o que tem cinco partes.

क्लिष्टा (kliṣṭā), ppp, feminino, nominativo, singular => afligido, aflito, atormentado.

अक्लिष्टाः (अक्लिष्टाः) não kliṣṭā

Comentário

Este é um típico caso de sutra em que não ocorrem verbos mas apenas substantivos, os verbos devem ser inferidos do contexto. Outra coisa interessante neste sutra é que, literalmente, ele afirma que as atividades são cinco mas apresenta apenas duas. Do contexto e dos versos que seguem depreende-se que, na verdade, tratam-se de dois tipos de atividades sendo 5 de cada tipo: as que causam aflição e as que não causam aflição. Deste modo, outra tradução possível seria: Os tipos de atividade da mente são de dois tipos, as que causam aflição e as que não causam aflição. Sendo cinco de cada tipo.

Veja outros versos neste link.

Yoga Sutra I.4

Tradução do Verso 4 do Yoga Sutra de Patanjali

वृत्तिसारूप्यमितरत्र॥४॥

vṛttisārūpyamitaratra॥4॥

Por outro lado, [o observador assume forma]  similar às atividades [da mente] ॥4॥

Tradução Palavra por Palavra

वृत्ति (vṛtti), feminino => condição, estado, atividade, funcionamento

सारूप्यम् (sārūpyam), adjetivo => similaridade

इतरत्र (itaratra), indeclinável => por outro lado

Comentário

Este verso é um exemplo de como os sutras podem ser enigmáticos ou esteganografados, no sentido de resumirem tanto o texto de forma a excluir palavras que assume-se que estão evidentes pelo contexto e pelos versos anteriores. Observe que as palavras entre colchotes não estão verso original e foram adicionadas nesta tradução para facilitar o entendimento e a partir da interpretação deste tradutor do contexto em que o verso está inserido. Uma tradução literal seria: por outro lado, similar com as atividades. Assim, temos um tatpurusha instrumental em vṛtti + sārūpyam (वृत्ति + सारूप्यम्), na forma decomposta वृत्तिसारूप्यम् seria escrito वृत्तिभि: + सारूप्यम्. Observe que, na forma decomposta वृत्तिभि: está escrito no instrumental plural.

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