Sobre a Pronúncia de Mantras, Cânticos e Versos

Afinal ,a pronúncia do sânscrito é importante ou não para recitar mantras?

Quando se trata de recitar mantras, cânticos e versos da língua sânscrita (língua antiga indiana em que a maior parte dos textos védicos, yoguis e tântricos estão escritos) como uma prática espiritual devemos considerar dois fatores:

  1. A pronúncia não é importante;
  2. A pronúncia é importante.

Se a pessoa não considera importante a pronúncia correta, por quais motivos ela estaria interessada em recitar o mantra? Pra quê recitar? Só para estar na moda? Não faz o menor sentido a pessoa querer repetir frases em outro idioma se considera que a pronúncia correta não é importante. Se a pessoa quer recitar mantras como prática espiritual e não sabe ou não quer aprender a pronúncia do sânscrito seria melhor ela obter a tradução do mantra que deseja e o repetir em seu próprio idioma.

Mas se a pessoa deseja repetir mantras como prática espiritual e concorda com a tradição no fato de que a pronúncia é importante, algumas orientações devem ser seguidas:

  1. Para recitar corretamente é importante que a pessoa saiba pronunciar os sons do alfabeto sânscrito que inclui sons que não estão presentes no português. Por exemplo, sons em que se coloca a ponta da língua no céu da boca para serem pronunciados.
  2. Tradicionalmente os mantras são passados de mestre a discípulo. É claro que há exceções, mas não deveríamos tomar a exceção pela regra.
  3. A maioria das pessoas não possui boas habilidades auditivas a ponto de perceberem mudanças de tons e de pronúncias sozinhas.  Para a maioria das pessoas, é necessário que alguém as escute pronunciando os versos para que seja possível apontar possíveis erros.

Mas por que essa preocupação toda com os sons dos mantras. Por motivos bem simples. Vejamos os seguintes exemplos de palavras do sânscrito que possuem sons parecidos mas que possuem significados bastante distintos:

  • बल (bala) : força, poder;
  • बाल (bāla): garoto;
  • बाला (bālā): garota;
  • भाल (bhāla): testa;

Perceba que a principal diferença entre as três primeiras palavras está na duração da vogal a. Pois o traço horizontal em cima do a indica que ele deve ter pronúncia mais longa do que a sem o traço horizontal. Na quarta palavra, há outra diferença, o som de b é aspirado.

Agora imagine que você está repetindo um mantra pedindo força e está pronunciando a palavra relativa à força como uma das outras três opções. Que desastre, não? Olha que este é um exemplo simples.

Se você quer repetir mantras e não quer aprender ou não sabe a pronúncia do sânscrito. Peça a alguém que sabe que lhe ensine alguma tradução. Ou então, você pode ouvir a gravação do mantra recitado por alguém que saiba.

Tradução do Hamsa Gayatri

Tradução do Hamsa Gayatri.

Hamsa Gayatri

Versos em sânscrito

हंस हंसाय विद्महे परमहम्साय धीमहि |

तन्नो हंसः प्रचोदयात् ||

Versos transliterados

haṃsa haṃsāya vidmahe paramahamsāya dhīmahi |

tanno haṃsaḥ pracodayāt ||

Tradução palavra por palavra

hamsa => (palavra masculina, vocativo) cisne, mestre espiritual, alma, espírito

hamsAya => (palavra masculina, dativo) para o hamsa

vidmahe => (verbo, primeira pessoa do plural, tempo presente, 2A, raiz vid) => nós conhecemos, nós entendemos

paramahamsAya => hamsa supremo

dhImahi (verbo, primeira pessoa do plural, beneditivo, 3A, raiz dhā) => que nós meditemos

Tradução literal: Oh mestre, nós conhecemos para o mestre, que nós meditemos para o mestre supremo.

Tradução mais poética: Oh mestre! Que nós conheçamos o mestre, que nós meditemos no mestre supremo.

tan (pronome demonstrativo, segundo caso singular) => esse, aquele, o/a

no => (naś, acusativo plural naḥ forma enclítica) => nos

hamsah (palavra masculina, nominativo) mestre

prachodayAt (verbo, pra + raiz chud, 1P, 3 pessoa do singular, beneditivo) => que ele nos conduza

Tradução literal: Que esse mestre nos conduza.

Tradução final (poética)

Oh Mestre! Que nós te conheçamos! Que nós meditemos no mestre supremo!

Que esse mestre nos conduza!

Yoganidrá: História e Contexto

Este texto é um resumo do artigo “Yoganidrá: An Understanding of the History and Context” escrito por JASON BIRCH e JACQUELINE HARGREAVES.

O termo Yoganidrá (e as técnicas relacionadas) ficou popular a partir dos trabalhos dos professores da linhagem de Swami Satyananda Saraswati. Mas devido aos escândalos de envolvimento em abuso sexual de crianças atribuídos a Swami Satyananda Saraswati, alguns autores decidiram resgatar o histórico desta prática nas fontes textuais clássicas do Yoga.

A palavra yoganidrá é uma palavra composta que pode ser interpetrada de vários modos, por exemplo: o sono causado pelo yoga ou o sono do yoga. O significado específico do termo depende de seu contexto histórico. Uma das menções mais antigas ao termo ocorre no Mahabharata, datado de cerca de 300 A.C.. No Mahabharata, yoganidrá se refere ao sono de Vishnu entre os ciclos do universo. As referências mais antigas do termo yoganidrá não se referem a uma técnica mas uma descrição do sono transcendental de um deva.

As primeiras menções ao yoganidrá como técnica ocorrem em textos tântricos Shaiva e Budistas como o Cincinimatasarasamuccaya e o Mahamayatantra, respectivamente. Apenas nos séculos 11 a 12 é que surgem textos de Yoga descrevendo o yoganidrá como técnicas para a libertação. Ocorre em vários textos de Hatha e Rajayoga, o uso de yoganidrá como um sinônimo para um estado profundo de meditação conhecido como samadhi. Esse estado de sono yóguico transcendente seria alcançado por meio da prática de Shambhavi Mudrá, do desapego e da devoção ao guru.  Segundo o Yogataravali, o yoganidrá seria praticado repousando-se sobre a “cama do quarto estado” (turiya). O termo yoganidrá aparece no quarto capítulo da Haṭhapradīpikā, que descreve como Kechari Mudrá pode ser usado para alcançar samadhi. No século 17, o yoganidrá foi adotado como o nome de um ásana de yoga.

Swami Satyananda criou um sistematização de várias técnicas de yoga oriundas de diferentes tradições religiosas e chamou de yoganidrá. A sistematização proposta por ele é composta de sete partes:

  1. Preparação. Satyananda sugere que seja assumida a postura deitada chamada de śavásana. Mas em alguns textos de yoga não se menciona a necessidade de assumir essa postura para praticar yoganidrá;
  2. Resolução. Afirmação positiva, ou Sankalpa. Esse passo da prática é meio contraditório, pois nos textos clássicos de Yoga quando se fala em atingir o samadhi está subentendida a eliminação de todos os sankalpas da mente (Yoga é a cessação das atividades da mente, segundo Patanjali). Provavelmente, Swami Satyananda foi um dos responsáveis por integrar práticas de auto-sugestão como sendo sankalpa no yoganidrá, tendo sido, provavelmente, inspirado por terapias de relaxamento ocidentais;
  3. Rotação da consciência. Levar a mente de uma parte do corpo para outra numa sequência definida. Provavelmente, essa técnica foi derivada da técnica tântrica conhecida como nyasa. Há um precedente na literatura Yogui deste tipo de rotação de consciência numa variação do método de pratyahara em que o praticante leva sua atenção a 18 pontos vitais do corpo (marmasthana);
  4. Percepção da respiração. Observar a respiração nas narinas, no peito ou na passagem entre o baixo ventre e a garganta sem forçar ou mudá-la. Não há menções de técnicas para alcançar samadhi nos textos yoguis que sejam apenas observar a respiração, com exceção do Ajapa Japa que é como o Gayatri Mantra para os Yoguis e é capaz de despertar a Kundalini. Porém, há uma prática muito famosa no Budismo cujo princípio é observar a respiração, o anapannasati que é ensinado no Satipatthana Sutta;
  5. Sentimentos e sensações. Pareamento dos sentimentos opostos, exemplos: calor e frio, peso e leveza, dor e prazer, etc;
  6. Visualização. O professor descreve paisagens, oceanos, montanhas, templos, etc, que são visualizados pelo praticante. As técnicas de visualização são marca registrada da meditação tântrica, mas não fazem parte do Raja Yoga nem do Hatha Yoga;
  7. Finalização da prática. Repetição do Sankalpa e retorno gradual da mente ao estado acordado.

O texto original está disponível em: http://www.theluminescent.org/2015/01/yoganidra.html

Experiências, Baratos e a Longa Jornada para a Liberação

Se o Yoga dobrou o seu corpo, mas não dobrou a sua mente, o objetivo não foi alcançado.

Muitos de nós, provavelmente, ao começarmos a nos interessar por assuntos relacionados ao Yoga lemos e ouvimos tudo que temos acesso. Como sobre todos os assuntos, existe muito mais material de baixa qualidade disponível do que bom material.

A pouca disponibilidade de material confiável nos faz acreditar em muitas ideias mirabolantes sobre a jornada no caminho do Yoga. Dentre as ideias mais absurdas que há por aí, existe a ideia de que ter experiências alucinantes pode levar alguém à libertação espiritual. Antes de continuar, caro leitor, perceba que eu não estou afirmando que não existam experiências “loucas” no caminho. Sim, pode haver, mas tais experiências não são o objetivo da prática.

Existem algumas marcas registradas de Yoga comercial que tem como um de seus objetivos causar efeitos de hiperventilação nos praticantes, os quais muitas vezes são/somos inocentes o bastante para achar que o “barato” causado pela prática tem algo a ver com uma coisa mística que as pessoas chamam de kundalini ou aquele estado que dizem que pode ser alcançado pela meditação chamado de samadhi.

A confusão básica que temos aqui é a inversão de causa e consequência. Ou causa e efeito colateral. Práticas sérias de Yoga/Meditação podem provocar efeitos semelhantes a estados alterados de consciência, mas nem todo estado alterado de consciência deve ser considerado sinônimo de evolução espiritual. Se estados alterados de consciência fossem sinônimo de evolução espiritual, todos os usuários de drogas seriam bastante evoluídos espiritualmente. Aparentemente, isso não é verdade.

O progresso na jornada espiritual Yogui deve envolver mudanças cognitivas, pois todo resultado proveniente de ações tem duração proporcional ao esforço empregado para obtê-lo. Apenas o conhecimento/sabedoria é capaz de provocar resultados duradouros. No entanto, a afirmação anterior não exclui a necessidade de praticarmos ações físicas (e.g., ásanas) e mentais (e.g., meditação). Pelo contrário, essas ações são úteis por vários motivos, tais como:

  • Preparar mente e corpo para as mudanças cognitivas que virão;
  • Prover experiências que comprovam o que o conhecimento teórico estabelece como verdadeiro;
  • Trazer saúde e qualidade de vida para que o praticante tenha condições de seguir na jornada adequadamente.

Por fim, lembre-se do seguinte: Se o Yoga dobrou o seu corpo, mas não dobrou a sua mente, o objetivo não foi alcançado.

Obsessão e Loucura no Caminho para a Iluminação

Obsessão e Loucura no Caminho para a Iluminação (Em busca de uma história sobre a morte enigmática de um retirante budista, um escritor arrisca a própria mente ao se aprofundar no coração do mistério) Traduções de trechos de reportagens sobre problemas ocorridos nos Estados Unidos.

A primeira parte deste texto foi traduzida de: http://www.tricycle.com/feature/obsession-and-madness-path-enlightenment

O quanto alguém deveria se esforçar para conhecer sua própria alma?

É uma questão que eu tenho me esforçado por quase uma década após um incidente que me ensinou que meditação intensiva tem o potencial para liberar consequências inesperadas. Em 2006, eu tomei um emprego para liderar jovens estudantes colegiais americanos em um programa internacional através de lugares sagrados no Norte da Índia. A ênfase do programa era um retiro de meditação silenciosa de dez dias em Bodhgaya: o local onde Buddha alcançou a iluminação quase três milênios atrás. Quando as meditações acabaram, eu tive uma conversa com um de mês alunos – uma bela garota de 21 anos chamada Emily O’Conner (esse não é seu nome real) – sobre seu retiro. Ela disse que foi a experiência mais profunda de sua vida.

Naquela noite, enquanto os alunos conversavam entusiasticamente no templo, Emily escalou até o telhado de um dos dormitórios, com um lenço khadi em volta do rosto, e pulou. Um aluno que estava a caminho da cama a encontrou de cara com o solo. De acordo com o relatório das autoridades, ela morreu no impacto.

Eu fui encarregado de retornar com seus pertences para a América. Em algum lugar no caminho, a polícia Indiana me deu o diário dela. No oitavo dia do retiro, ela havia escrito em letra cursiva floreada, “Contemplar minha própria morte é a chave”. Então, uns poucos parágrafos depois, “Eu estou com medo de ter essa realização e enlouquecer.” Uma das últimas coisas que Emily escreveu, com a mesma mão firme, foi “Eu sou um Bodhisattva”. Ela acreditava que ela estava bem no caminho da transcendência.

Há muitas explicações por que Emily decidiu tirar sua própria vida. Talvez ela tenha entendido errado o significado de “iluminação”. Talvez ela tivesse instabilidades mentais subjacentes que apenas se manifestaram durante a meditação intensiva. De tudo que sei, ela era um Bodhisattva e continuou em sua jornada em outro reino. Contudo, aqui na terra eu me preocupei de que a iluminação não deveria ser tudo que se promete.

A morte de um segundo meditante, Ian Thorson, desta vez nas montanhas do Arizona, me deixou com a suspeita de que havia um mistério não mencionado no coração das técnicas transformacionais. A história da morte de Thorson é complicada, mas pode ser recontada brevemente: Geshe Michael Roach, o primeiro americano a receber o grau de Geshe (o equivalente no Budismo Tibetano a um PhD), passou anos estudando na Índia como um monge antes de se tornar eventualmente um guru controverso que tinha feito milhões na indústria do diamante em Nova York. Roach logo adquiriu um grande grupo de alunos seguidores que viam  valor na crença de que grande riqueza poderia ser um sinal de bom karma. Ian Thorson juntou-se ao grupo de Roach na década de 1990, uns poucos anos antes de Roach planejar começar um retiro silencioso de 3 anos com um grupo de suas estudantes mais atraentes. Thorson logo tornou-se um dos seguidores mais dedicados de Roach.

Quando Roach emergiu de seu retiro de 2003, ele anunciou que estava a caminho da iluminação, tinha realizado milagres e que sua namorada e aluna, uma mulher com metade de sua idade chamada Christie McNally, era uma encarnação terrena da deusa Vajrayogini. Eles passaram o retiro juntos inventando rituais tântricos baseados em suas próprias leituras idiossincrátricas de textos antigos. Roach e McNally começaram a viajar em turismo pelo mundo, dando aulas sobre as realizações espirituais que tiveram durante seu grande retiro no deserto.

Em uma viagem para a Alemanha, o casal sagrado se ligou com Thorson, que estava vivendo lá com sua namorada e o inspirou a deixá-la e retornar para a América, onde ele poderia ajudar a construir a Universidade da Montanha do Diamante – um instituto desacreditado de alta aprendizagem dedicado ao neo-budismo de Roach e McNally. Lá, nas montanhas Chiricahua do Arizona, McNally e Roach planejaram liderar um segundo retiro silencioso juntos, desta vez com mais de 40 alunos. Mas como planos para a empreitada estavam a caminho, o relacionamento do casal como a se deteriorar. Logo os dois se separaram e cada um encontrou um novo companheiro. Poucos anos depois, Christie McNally casou-se com Ian Thorson.

Ao invés de passar os próximos três anos em silêncio com sua ex-esposa, Roach deu controle do retiro para McNally que tomou muito mais liberdades com os ensinamentos de Buddha do que Roach havia tomado. Ela começou a ensinar Tantra Hindu, invocando a deusa Kali como uma protetora do retiro. Os retirantes mergulharam em silêncio, confiantes na liderança de McNally. Mas tudo não estava bem em seu paraíso meditativo.

Psicose, esfaqueamento, mistério e morte em uma universidade neo-budista no Arizona

Texto traduzido de: http://www.elephantjournal.com/2012/05/psychosis-stabbing-secrecy-and-death-at-a-neo-buddhist-university-in-arizona/

Uma tragédia ocorreu e continua a se desenrolar nas montanhas do sudeste do Arizona. A morte de Ian Thorson, 38 anos, no domingo 22 de abril, numa caverna de uma montanha a 6000 pés de altura. O porta-voz do sheriff descartou jogo sujo até agora, mas a investigação está em andamento. O relatório do médico legista ainda será liberado. A causa imediata da morte de Thorson é mais provavelmente exposição e desidratação. Mas eu acredito que uma investigação completa mostrará que as causas mais profundas envolvem fanatismo religioso, psicose não tratada e negligência grosseira, incompetência e obstrução aos diretores do centro de retiros neo-budista chamado Diamond Mountain University, liderado por seu fundador e diretor espiritual, Michael Roach. Essa investigação completa médica e legal é garantida imediatamente, por que ainda há 35 pessoas em retiro na propriedade da Diamond Mountain que podem bem estar em perigo físico e mental como Thorson estava.

Thorson foi encontrado morto numa caverna de 6 por 8 pés em terras de reserva federal, cuidado por sua esposa desidratada Christie McNally, 39, uma ex-amante de Roach, conhecido da comunidade Diamond Mountain, e globalmente, como “Lama Christie”. Ela está se recuperando de sua perda e sintomas de exposição em uma localização não divulgada.

Minha intenção em divulgar essa história terrível para a comunidade de meditação e yoga e para o grande público tem quatro aspectos e não é maliciosa. Primeiro, eu quero encorajar uma investigação imediata na segurança física e mental dos residentes da Diamond Mountain. Segundo, eu quero ampliar nossa discussão em andamento do que constitui espiritualidade fundamentada, empática e útil – como oposta a delusões narcisistas e dissociativas de grandeza que podem ser danosas não apenas para praticantes, mas para uma cultura mais ampla. Terceiro, eu quero pressionar (e encorajar outros a pressionar) o Board of Directors of Diamond Mountain University a frear o clareamento óbvio de eventos que já começou. Os eventos na Diamond Mountain evocam questões cruciais de liderança responsável, prestação de contas democrática e qualificações terapêuticas que os diretores deveriam responder, não apenas pela segurança de seus próprios alunos, mas para a comunidade budista mais ampla e para os buscadores espirituais em geral, muitos dos quais vêm para ashrams e centros de retiro com profundas marcas psicológicas que são tragicamente temperados por robes e oradores e estruturas autoritárias de poder. Ultimamente, estou escrevendo na esperança de suavizar o controle que eu acredito que Roach tem sobre seus seguidores, muitos dos quais, incluindo Thorson, eram amigos e conhecidos meus, tempos atrás, quando eu mesmo também era um considerável escravo de Roach. Reconheço que muitas pessoas ao redor do mundo sintam que suas vidas foram enriquecidas pelo idealismo entusiasta de Roach e não desejo diminuí-las. Mas minha preocupação é que a estrutura de poder de Roach, que foi cultivada consciente ou inconscientemente pelo seu carisma, reprime o pensamento independente e o crescimento, e agora o está protejando contra o problema do cadáver de Thorson e a pessoalidade de Christie McNally, na escuridão exterior da racionalização espiritual.

Eu coletei tanta informação quanto fui capaz no impulso de publicar esta história para que houvesse tempo de mediar o perigo para aqueles que ainda estão em retiro. Infelizmente, minhas tentativas nos últimos dois dias de se engajar com os conhecidos de minha antiga comunidade sobre os eventos foram becos-sem-saída, devido, eu acredito, o sigilo endêmico dos cultos. No entanto, eu tenho uma visão sobre os documentos que todas as pessoas podem acessar abertamente, e espero que meu pensamentos sobre isso encoragem mais questionamentos sábios – tanto jornalísticos quanto legais. Serei cuidadoso em qualificar minhas percepções com as palavras “parece” e “presumido”,  em minhas opiniões com a expressão “eu acredito”.

Plano de fundo da tragédia

McNally tem sido aluno de Roach desde 1996. O próprio Roach tem sido aluno do antigo Khensur Rinpoche Lobsang Tharchin, de Howell, New Jersey, desde meados da década de 1970. Em meados de 1980 ele tomou os votos monásticos e obteve o grau de “Geshe”. A proximidade de Roach com McNally levantou suspeitas das alas mais conservadoras da comunidade e houve rumores de que eles eram amantes, o que os votos monásticos de Roach proibiam. Era muito claro pra mim que eles eram amantes e isso foi confirmado em 1999 numa viagem para a Índia em que muitos membros da comunidade expressaram desânimo ao verem McNally esgueirar-se da cela de Roach antes do nascer do sol, todos os dias.

Em 2000, Roach, McNally, e cinco de suas alunas entraram em retiro fechado de 3 anos numa terra deserta próxima a 960 acres do que se tornou a Diamond Mountain University. Enquanto fazia marketing na época de levantamento de fundos de seu retiro de ele era “tradicional”, “autêntico” e “antigo”, Roach negou-se a revelar aos seus milhares de patrocinadores que ele iria coabitar com McNally numa cabana compartilhada no deserto, um fato que tornou-se aparente para muitos durante os vários períodos de ensinamentos abertos do retiro, durante os quais centenas de estudantes viajavam para o deserto para ouvir Roach ensinar às cegas. A ampla comunidade Budista Tibetana começou a afastar-se tanto de Roach quanto de sua comunidade, não apenas por seu comportamento não-convencional e falta de transparência, mas também pelo seu academicismo falso e finas interpretações new-age da filosofia do Caminho-do-Meio – o alicerce da metafísica Gelukpa.

Roach and McNally emergiram do retiro em 2003 como parceiros espirituais compromissados que se engajaram em uma “intimidade de celibato”, uma reivindicação que mistificou seus alunos casados e ultrajou os piedosos. O relacionamento expôs seus múltiplos desafios à ortodoxia tibetana a uma visão de completo mau-gosto e concretizou os limites de seu crescente culto forçando seus devotos a separarem-se da mais ampla cultura ocidental budista que, agora, firmemente, rejeitava e criticava os títulos e autoridade de Roach.

Nem toda ruptura no mundo de Roach foi política ou teológica. McNally separou-se de Roach em 2008 ou 2009, que havia sido vista rapidamente em Armani e passando em clubes de Manhattan com modelos russas. McNally logo fez parceria com Thorson e começou a fazer incursões carismáticas nas cenas de Yoga de Nova York, fazendo parceria para ensinar uma sagrada ficcional “prática tibetana antiga de ásanas para alcançar objetivos espirituais usando um parceiro”.

Havia algo estranho ocorrendo com Thorson. Durante os ensinamentos ele exibia kriyas severos e barulhentos – estouros espontâneos de energia interna que subiam de modo irregular por sua espinha, viravam sua cabeça para trás e o faziam arfar e soluçar.

Um esfaqueamento no deserto

Em 2010, após vários anos de reivindicações grandiosas e proselitismo pelo mundo sobre assuntos tão diversos quanto “casamento espiritual”, “criação de seu próprio paraíso búdico”, “os segredos de Jesus e do Buda” e “negócios iluminados”, McNally foi indicada à Diretoria de Retiro para o segundo retiro de 3 anos, e foi para o deserto em silêncio com Thorson e 39 de seus discípulos nas propriedades da Universidade. Em algum momento, episódios de violência doméstica surgiram dentro da casa de retiros que ela compartilhava com Thorson. Os retirantes devem fazer silêncio pelo protocolo de retiro, então se algum deles estava ciente de problema, deve ter havido pressão contra o relato.

À cada 6 meses mais ou menos, o Diretor de Retiros e retirantes selecionados, e professores que não estão em retiro juntam-se publicamente para dar ensinamentos. Em fevereiro daquele ano, McNally falou em um dos eventos. Como Roach relata: “Lama Christie descreveu o que pareceu abusos fisicos repetidos de si mesma por seu marido e também um incidente em que ela esfaqueou Thorson, descrevendo como uma influência espiritual”.

E, sim, McNally tinha esfaqueado Thorson com uma faca três vezes, imagino que em própria defesa, como atestado por um dos retirantes que era médico. O médico a costurou e então foi limitado pelo silêncio não apenas pelas regras do próprio retiro mas também por sua subordinação espiritual ao casal. Uma das facadas foi funda o suficiente para  ameaçar órgãos vitais.

Um conselho de diretores cegos pelo dogma

Pela descoberta da sequência de esfaqueamentos em diante, acredito que todas as decisões do Conselho foram tomadas (a maioria provavelmente inconsciente) para proteger a hierarquia da Universidade e santidade de seu dogma, e não para nutrir a saúde física e emocional dessas duas pessoas criticamente problemáticas, ou de qualquer pessoa abaixo na escala do poder.

A decisão para não imediatamente convidar aplicação da lei externa ou serviços de saúde mental para a propriedade para examinar a situação e entrevistar os indivíduos é, acredito, coerente com a resistência geral do grupo à influência externa.

Mais sobre o assunto: http://playboy.co.za/death-and-madness-at-diamond-mountain

 

Discussão sobre o Caminho Empoderado (śākta-upāya)

Abhinava Gupta foi, provavelmente, o maior mestre de Tantra Shaiva que já viveu entre nós. Em sua obra Tantrasāra (A Essência dos Tantras), em inicia o Capítulo 4 com o seguinte texto.

Quando uma pessoa escolhe gradualmente refinar e purificar seu entendimento da realidade de modo a entrar na realização experiencial de sua verdadeira natureza como descrito anteriormente, ele emprega um processo de contemplação (bhāvanā-krama) que pressupõe o raciocínio e o discernimento apropriados (sat-tarka), escrituras verdadeiras (sad-āgama) e a instrução por um professor da Realidade (ou verdadeiro professor – sad-guru).

Obs.: este texto em português é a tradução da versão em inglês traduzida do sânscrito por Christopher Hareesh Wallis.

Duas Kundalinis??

O professor Hareesh, juntamente com alguns colegas dele estudiosos do Tantra estão trazendo à baila várias discussões, no mínimo curiosas. Uma das discussões levantadas por Hareesh em seu livro “The Recognition Sutras” é resumida, em suas próprias palavras como segue.

“A noção de se elevar a kundalinī da base da espinha para a região da coroa da cabeça, que é um ensinamento da tradição do Hatha-Yoga, é significativamente antecedido por um ensinamento do Tantra clássico de que há DUAS kundalinīs — uma Kundalinī superior na cabeça e uma Kundalinī inferior na base (na região do assoalho pélvico). A primeira deve ser ativada e trazida para baixo, a outra deve ser ativada e trazida para cima. Uma vez ativadas, elas movem-se pelo canal central, para finalmente fundirem-se no coração — resultando na experiência de união do transcendente e do imanente, do espiritual e do material.”

Este ensinamento é dado no capítulo 18 do The Recognition Sutras, dentre outras fontes.

Além da novidade das duas kundalinīs, há um fator que merece ser chamado à atenção: a kundalinī de baixo sobe a partir da região do períneo, ou do assoalho pélvico, pelo centro do corpo  e não da base da coluna pela coluna. Muitos autores e professores têm cometido o erro em suas práticas/ensinamentos ao falar que kundalinī sobe pela coluna vertebral. Na verdade, ela sobe pela sushumna nadī (que não está localizada na coluna vertebral.)

O diálogo entre Astavakra e Janaka, no Tripura Rahasya, sobre os estados de consciência

Este é o resumo do artigo publicado na Revista Religare sobre as relações entre o Capítulo 16 do Tripura Rahasya e o Yoga Sutra de Patanjali.

Resumo: Este artigo apresenta uma tradução de partes do capítulo 16 do Tripura Rahasya seguidas de discussões e análises tendo como base conceitos apresentados no Yoga Sutra de Patanjali. O capítulo 16 do Tripura Rahasya trata dentre outros fatores do conceito de indizível na tradição indiana e de métodos para alcançar o estado em que é possível acessar o indizível, ou aquilo que não pode ser explicado por palavras. Argumentamos que o Rāja-Yoga de Patañjali é uma metodologia adequada para experimentar esse estado.

O artigo completo pode ser lido no site da Revista Religare.

Tripura Rahasya 2.51-52: A importância da autoinvestigação

O Tripura Rahasya é um texto tântrico de extrema importância e muito elogiado por Ramana Maharshi. Abaixo temos a tradução de parte de um de seus versos. Esse verso trata de um dos métodos de autorrealização conhecido como Vichara e que é mencionado também no Yoga-Sutra de Patanjali.

O Tripura Rahasya é um texto tântrico de extrema importância e muito elogiado por Ramana Maharshi. Abaixo temos a tradução de parte de um de seus versos. Esse verso trata de um dos métodos de autorrealização conhecido como Vichara e que é mencionado também no Yoga-Sutra de Patanjali.

विचार: सर्वमूलं हि सोपानं  प्रथमं भवेत्  

Detalhes da tradução:

विचार: masculino, nominativo, singular, investigação
सर्व neutro, acusativo, singular, tudo, completo inteiro
मूलं neutro, acusativo, singular, raiz
हि indeclinável, pois, por causa de
सोपानं neutro, acusativo, singular, escada, degrau
प्रथमं neutro, acusativo, singular, o primeiro de todos
भवेत् verbo 3a pessoa singular, presente optativo raiz √भू , torna-se

Significado:

A investigação torna-se a raiz de tudo pois [é como] a primeira de todas as escadas [para a felicidade].

As palavras entre colchetes foram inseridas a partir do contexto em que o verso aparece.

Tradução: Eanes T. Pereira.